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Bolsonaro globalista

Carlos Alberto Sardenberg

O presidente Bolsonaro relacionou como avanços de seu governo a realização de acordos de livre comércio, a abertura da economia a investimentos externos privados e o processo de entrada na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). É globalização na veia.

Nos acordos comerciais, o país se compromete a seguir determinadas regras, por exemplo, na cobrança de tarifas e na facilitação dos negócios de exportação e importação. Ou seja, submete parte de sua política econômica a regras internacionais.

Para entrar na OCDE, o país se compromete a sustentar a democracia liberal e a economia de mercado. Também se compromete a seguir normas de administração em diversos setores, incluindo combate à evasão de impostos e … programas de proteção do meio ambiente.

Também aqui, o país submete parte de suas políticas a normas e obrigações globais. É claramente globalizante.

Será que o presidente Bolsonaro tem plena consciência desse aspecto da superliberal política econômica de seu governo, comandada pelo ministro Paulo Guedes? Há uma clara contradição entre essa postura e o núcleo do discurso “antiglobalista” de Bolsonaro.

Disse ele: “Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um “interesse global” abstrato. Esta não é a Organização do Interesse Global! É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer!”

Pois basta passear nas páginas da OCDE para encontrar várias menções a interesses globais, objetivos globais, programas globais concretos.

Isso não é apagar soberanias. Ao contrário, o país soberano decide que , no mundo de hoje, não se avança sem cooperação global.

O Brasil não estaria abrindo mão de sua soberania se, por exemplo, participasse, no âmbito da OCDE ou da ONU ou do Banco Mundial, de um programa global de preservação das florestas, incluindo financiamento de outras organizações e países. O risco é ficar fora desses movimentos internacionais.

Durante a atual assembleia geral, a ONU lançou a iniciativa para o combate às mudanças climáticas, um conjunto de princípios que devem nortear as políticas específicas. A OCDE aderiu a essa iniciativa. E também nada menos que 130 bancos internacionais, incluindo os brasileiros, com ativos de US$ 47 trilhões, endossaram formalmente aqueles princípios.

Não há risco à soberania. O risco é ficar fora desses movimentos, num tipo de isolacionismo que cria problemas em diversos setores. Por exemplo: a posição de Bolsonaro nas questões do clima pode bloquear o fechamento do acordo de livre comércio com a União Europeia.

Pode também prejudicar a colocação de alimentos brasileiros nos mercados globais. Aliás, essa posição abre o flanco para os ataques dos concorrentes internacionais.

O mundo, com aumento populacional e crescimento de renda, demanda cada vez mais alimentos. O Brasil é candidato a ser o principal fornecedor dessa demanda adicional. Mas, claro, há outros pretendentes – que podem se valer de um ataque muito forte, acusar a produção brasileira de não ser sustentável.

Reparem: a maior parte da renda agrícola de exportação vem da soja e da carne. São produtos vigiados, sendo que parte deles se origina, sim, de áreas desmatadas. Todo o esforço dos líderes do agronegócio brasileiro tem sido demonstrar que isso é coisa do passado, que a maior parte da produção brasileira já é sustentável, baseada em tecnologia de ponta.

Um esforço de anos pode-se perder em pouco tempo.

E querem ver outra contradição?
Bolsonaro relacionou entre os êxitos de seu governo a designação de Sérgio Moro, símbolo do combate à corrupção, para o Ministério da Justiça.

Só que a Lava Jato está sob ataque – e o governo Bolsonaro participa desse ataque. A suspensão das investigações baseadas em dados do antigo Coaf, feita sob medida para proteger o senador Flavio Bolsonaro, é o exemplo evidente desse ataque.

Também para reparar: o cruzamento de dados de movimentações bancárias com dados do imposto de renda – dentro de um país e entre governos – é parte do programa anticorrupção da OCDE.