Zerar o déficit público para derrubar juros

. Déficit zero, grande idéia    
Não é de hoje que o deputado Delfim Netto vem apresentando sua proposta de déficit público zero. Também não é de hoje que vem conversando com o presidente Lula sobre o tema. Mas são recentes a boa disposição do governo e o interesse de Lula pela idéia.     
Duas semanas atrás, entrevistei o deputado na CBN e perguntei a ele se havia falado com o presidente a respeito da proposta. Disse que sim. E que Lula achara? Interessante, disse Delfim, ele achara interessante. Só isso? ? perguntei. Só, concluiu Delfim, parecendo algo desanimado.     
Deu a impressão de que a coisa não prosperaria. Mesmo porque saíam na imprensa breves notas informando que gente da Fazenda não apreciava a idéia. Algo mudou de lá para cá. Delfim teve outras duas reuniões com Lula, já na presença dos ministros da área econômica e do presidente do Banco Central, conforme informou Ribamar de Oliveira aqui no Estado na última quinta (dia 30). Dessas conversas, Delfim saiu com a incumbência de reunir apoio à proposta nos meios políticos e empresariais. E nesta terça, amanhã, um jantar dá início ao processo. Estão convidados senadores, deputados e empresários.     
Talvez a crise política decorrente do vendaval da corrupção tenha estimulado Lula a buscar algo novo. Se for isso, terá sido um bom resultado da crise. Déficit zero é uma ótima idéia para o momento brasileiro ? simples, direta, fácil de entender e traz uma série de bons acessórios.     
Controle de contas públicas é coisa muito recente no Brasil. A rigor, vem desde 1999, primeiro ano inteiro em que se fez superávit primário. Esse superávit é o primeiro passo para um déficit nominal zero.     
Explicando: o governo arrecada impostos, taxas e contribuições e sai pagando salários do pessoal civil e militar, aposentadorias e benefícios da Previdência, as bolsas dos programas sociais, o funcionamento da máquina (de cafezinho a merenda escolar) e investimentos (obras em geral). O que sobra, quando sobra, é o superávit primário, espécie de economia feita nas contas correntes. Para que serve o superávit? Para pagar juros ? no nosso caso, de 99 para cá, para pagar parte da conta de juros.     
Assim, no total, no critério nominal, resta um déficit, formado pelos juros não pagos e pela correção monetária da dívida. Esse déficit tem que ser financiado, isto é, o setor público toma mais dinheiro emprestado. Assim, a dívida pública, em termos absolutos, cresce, como tem crescido no Brasil.     
Há outra maneira de medir a dívida ? calcular seu valor em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Hoje, a dívida brasileira representa 50% do PIB, depois de ter atingido picos acima de 60%.     
Como a dívida pode cair nesse critério, se ela aumenta em termos absolutos? Simples. Basta o PIB crescer proporcionalmente mais. O governo FHC começou a fazer superávit primário no segundo mandato, em torno de 3,5% do PIB. O governo Lula aumentou a jogada e fixou meta de 4,25% para esse superávit. Tem conseguido, na prática, um pouco acima disso. E a dívida caiu em relação ao PIB. Ora, por que então mudar esse bom arranjo? Por vários motivos. Como o PIB tem crescido pouco, a queda da dívida é muito lenta e ainda assim o processo corre riscos. Por exemplo, a cada aumento da pressão inflacionária, o BC eleva juros e isso, além de reduzir o crescimento, aumenta os gastos do governo justamente com o pagamento de juros. Parte da dívida pública é externa, em dólares ? e a desvalorização do real aumenta a dívida. Hoje, o país se beneficia do efeito contrário, com a valorização do real, mas esse não é o episódio mais freqüente em economias emergentes. Daí a nova idéia. Em vez de se fixar a meta do superávit primário, estabelece-se como objetivo o déficit nominal zero ? que é mais ou menos como dizer o seguinte: o superávit primário será do tamanho necessário para pagar a correção e toda a conta de juros. Assim, por mínimo que seja o crescimento econômico, a dívida necessariamente cai em relação ao PIB. Estabelecendo isso como meta de governo, fixada no orçamento aprovado pelo Congresso nacional, o país estará dizendo que vai pagar todas as suas contas e dever cada vez menos. Qual o principal resultado? Hoje, a principal vulnerabilidade do país está no tamanho e na composição da dívida pública. Exemplo: países emergentes parecidos têm dívida abaixo dos 30% do PIB, 20 pontos menos que a brasileira. Uma das causas dos juros altos no Brasil está justamente aí. O governo, grande devedor, toma a maior parte da poupança nacional (cerca de 80% do dinheiro aplicado em fundos de investimento compra títulos públicos). Isso leva tanto a um aumento da taxa de juros quanto a uma escassez de recursos para o setor privado. De outro lado, grandes devedores têm risco maior de crédito ? isto é, o risco Brasil é maior do que a média dos emergentes e isso de novo é causa de juros altos. Eis aí, déficit nominal zero é atacar o mal pela sua raiz mais profunda. Não precisa chegar lá de uma só vez. A idéia de Delfim é anunciar um programa para alcançar a meta em 2008. Basta isso, um programa crível, com apoio político e na sociedade, e que comece a ser executado para que surjam os resultados. Pela lógica, a seqüência será queda do risco Brasil, queda dos juros, queda do gasto público com juros, mais possibilidade de crescimento econômico sem inflação, num círculo virtuoso. Ponto essencial é a maneira de zerar a conta. Não pode ser via aumento de impostos. A proposta inicial é manter a carga tributária e congelar as despesas de custeio e investimento, com um aumento do superávit primário para 4,75% do PIB. Se tudo der certo, será possível reduzir impostos em consequência da enorme economia com a conta de juros, e ainda sobrando mais recursos para investimentos públicos, o chamado gasto bom. Dá para fazer? Depende de entendimento político. É provável que parte do PT fique de fora, mas amplos setores da oposição estarão dentro. Mas depende desse entendimento ? que é o elo fraco desta história, dada a fragilidade em que se encontra o governo Lula. Mas a crise também pode exigir de todos atitudes mais construtivas.     
E para animar. A Irlanda, o tigre celta, apresentava em 1985 uma dívida pública equivalente a 115% do PIB, com déficit nominal de 12% do PIB, portanto uma situação bem pior que a brasileira. Aí tomaram a decisão de resolver essa conta. Reduziram brutalmente o gasto público e foram lá.     
Dez anos depois, a dívida caía para 60% do PIB e o déficit estava zerado. Daí em diante, o governo passou a fazer superávits nominais, com o que teve recursos para pagar toda a conta de juros e ainda abater parte do principal da dívida. Hoje, a dívida pública representa 30% do PIB e o déficit nominal é zero. Com isso e mais abertura da economia e investimento em educação, deu um grande sucesso, com carga tributária menor. Publicado em O Estado de S.Paulo, 04 de julho de 2005        

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