AS ELITES AJUDAM LULA

. UMA TÁBUA DE SALVAÇÃO PARA LULA A tábua de salvação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está no bom andamento da economia. Foi-lhe oferecida duas vezes desde o início da crise política. Na primeira, pelos indicadores econômicos, mostrando que o país passa por um momento positivo, com inflação em queda, contas públicas sob controle, superávit recorde no comércio externo, balanços recheados de lucros das principais companhias brasileiras e um bom ambiente internacional. Os juros ainda são excessivamente elevados, mas até nisso a conjuntura está ajudando ? a perspectiva é de queda das taxas. Satisfeitos com esses dados e preocupados com os efeitos negativos que a crise política e a paralisia do governo possam ter sobre a economia, vários líderes empresariais há alguns dias ofereceram a Lula uma segunda tábua de salvação: a disposição de apoiar uma agenda mínima, uma relação de projetos de lei e programas de governo cuja implementação renovaria o estímulo à atividade econômica, levaria a algum tipo de apoio político ? hoje quase inexistente ? e daria fôlego extra à administração federal. Implementá-la ? mesmo que em parte ? passaria ao país a mensagem de que o governo Lula não se perdeu totalmente em meio à crise e que tem alguma força e disposição para retomar o controle do país. Importante notar a qualidade dos proponentes e da proposta. Estiveram com Lula, no final da primeira semana de agosto, os presidentes das confederações nacionais da indústria, comércio, agricultura, bancos e transportes ? reunindo-se assim a totalidade da liderança empresarial. Portanto, estava ali representada a nata da elite econômica brasileira ? justamente alguns dias depois de o presidente Lula ter colocado nas elites a culpa pela crise, para em seguida ameaçá-las: "vão ter que me engolir outra vez". A proposta apresentada, uma compilação de 18 temas que vão da garantia de independências das agências regulatórias e mudanças no projeto de reforma tributária aos investimentos privados na área de saneamento básico, está longe de ser uma pauta de reivindicações corporativas ou um pedido de privilégios. Ao contrário, a agenda inclui medidas que, se executadas, mesmo em parte, melhorariam o ambiente de negócios em geral. Mais que isso: integram a agenda alguns projetos de lei que já tramitam no Congresso Nacional por iniciativa do próprio governo. Outras providências sugeridas tratam de implementar programas também lançados pelo governo, como as Parcerias Público-Privadas com as quais se pretende destravar os investimentos em infraestrutura. (Veja a relação dos itens mais importantes da pauta sugerida pelos empresários no quadro ao lado). De maneira que, a ser verdadeira a desconfiança de Lula, a situação é paradoxal ? as elites, supostamente envolvidas numa conspiração para derrubar o presidente, vão a ele e oferecem apoio a uma agenda extraída da própria política econômica do governo. Indicam uma saída para a crise que o presidente até agora não conseguiu ou não quis enxergar. Se o governo Lula tivesse um mínimo de orientação política, estaria ele mesmo propondo a agenda mínima às lideranças econômicas e políticas, incluída à oposição, que não tem qualquer problema para apoiar boa parte dela. As reformas necessárias andariam, enquanto a tarefa imperiosa de investigação das denúncias de corrupção ficaria a cargo dos parlamentares e da Justiça. Que o presidente não tenha tomado a iniciativa de propor as medidas, só mostra a completa desorientação reinante no Palácio do Planalto. Que a proposta tenha sido lançada pelas elites empresariais atacadas por Lula, com o gesto político de uma audiência formal com o presidente da República, só indica o grau do non-sense político em que se encontra o país. Como se chegou a isso? O ponto de partida foi própria incompetência do governo, que é anterior às denúncias de corrupção. Faz tempo que as votações minguaram no Congresso ? e não por obra das oposições. Foi a base governista que travou em 2004, ano eleitoral, e não mais se recuperou. A descoberta da rede de corrupção foi, ao mesmo tempo, conseqüência e causa da paralisia política do governo. Enquanto isso, a economia passava por um doloroso processo de ajuste, em razão da rigorosa ? exageradamente rigorosa – política de juros do Banco Central para conter o surto inflacionário. Caiu o ritmo de crescimento econômico, isso reduziu a confiança de empresários e consumidores, mas já no segundo trimestre deste ano surgiram os sinais de retomada. Em todo o processo, a política econômica do ministro Antonio Palocci manteve-se rigorosamente em linha com seus três pilares: metas de inflação, redução do endividamento público via superávit primário, câmbio flutuante. Ao lado disso, a equipe econômica propôs uma série de medidas microeconômicas com o objetivo de melhorar o ambiente de negócios. Tratou-se da continuidade de um processo de mudanças que vem desde 1994, com o Plano Real. As elites nacionais e internacionais de fato haviam se assustado com Lula em 2002 ? e com razão. Os documentos econômicos do PT simplesmente pregavam calote, aumento do gasto público e ruptura com o FMI. Uma vez firmado e implementado o compromisso com a política econômica dita ortodoxa, a crise de confiança se dissolveu inteiramente. E não voltou mais. É justamente essa solidez da base econômica que está permitindo a passagem pela crise política com danos mínimos. O que as elites querem é simplesmente preservá-la, para o que se dispõem a ajudar Lula. É nesse contexto que entra a agenda mínima recém-proposta. Quem atrapalha o governo, nesse caso, está no mesmo lugar de onde vieram os seus problemas atuais ? no Partido dos Trabalhadores. Os mesmos iluminados que montaram essa inviável base parlamentar e depois criaram ou viveram do valorioduto agora estão dizendo ao presidente que o modo dele sair da crise é substituir a política econômica por um "novo modelo de desenvolvimento". É o que consta do documento aprovado pelo Diretório Nacional do PT, reunido no início de agosto, para examinar a crise. A conclusão inescapável ? há mesmo uma conspiração em curso e ela é de autoria de uma elite. Trata-se da elite petista, que prefere propor mudança na economia em vez de expulsar o ex-tesoureiro Delúbio Soares e cobrar explicações do ex-ministro José Dirceu. A sorte, para o país, é que essa proposta, por enquanto ao menos, é só discurso, marketing, uma tentativa de dar satisfação à esquerda e aos movimentos sociais e assim ganhar algum tempo para o PT e para o governo. Não vai funcionar, é claro, porque é uma atitude que foge da questão principal, o impasse político gerado pela avalanche de denúncias. Também é uma sorte para o país que a outra elite continue estendendo a tábua de salvação da economia. O problema é que a implementação da agenda mínima depende da reorganização política do governo. E para isso não ajuda em nada o presidente sair por aí defendendo os companheiros que o colocaram no buraco e atacando as elites que estão investindo e consumindo. Revista Exame, edição 848, data de capa 17 de agosto de 2005

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