A VIRADA PRÓ-CRESCIMENTO

. O leitor e a leitora podem estranhar a importância que estamos dando ao anúncio da meta oficial de inflação para 2002, feito na semana passada pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan. Mas acreditem, não é pouco, é muito importante. Para encurtar a história, vamos logo à conclusão: com a nova meta, o governo Fernando Henrique muda de viés, inclinando-se agora para uma política mais favorável ao crescimento econômico. A meta de inflação para 2002, a ser buscada pelo Banco Central, é de 3,5%, sempre tomando como referência o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, IPCA, do IBGE. Não se pode dizer que seja uma meta irresponsável, mas é folgada. O governo poderia ter escolhido meta menor, de 2%, por exemplo, que não causaria espanto. Os analistas, quase todos, concordam que seria possível chegar a esse nível, que é o padrão das nações desenvolvidas e estáveis. Mas para isso seria preciso aplicar uma política menos favorável ao crescimento. Eis como as coisas se passam: no regime de metas de inflação, vigente no país desde o ano passado, o governo, no nosso caso o Conselho Monetário Nacional, fixa o objetivo e cabe ao Banco Central aplicar a política monetária necessária para alcançá-lo. Claro que o BC depende da política econômica em geral, mas tem um instrumento básico para controlar a inflação, a taxa básixa de juros, aquela que o BC anuncia todo mês. Funciona assim: juros elevados desestimulam o consumo (crediário caro) e o investimento (capital caro). Com as pessoas comprando menos e as empresas produzindo menos, a economia anda mais devagar, o mercado desaquece, não há ambiente para aumento de preços. Inversamente, quanto menor a taxa de juros, mais estímulo às compras e aos negócios, com ambiente para inflação. Quando as pessoas e empresas têm mais condições para gastar, todos se tornam algo tolerantes com altas de preços. Há pontos de equilíbrio: taxa de juros zero ou negativa dá máxima inflação; juros na lua derrubam preços, fazem deflação. Entre o céu e a terra, vai-se combinando taxa de juros, inflação e crescimento. Quanto menor a meta de inflação, maior a taxa de juros e menor o crescimento. Isso posto, não é difícil mostrar que a meta de 2002, inflação anual de 3,5%, é folgada. A meta para este ano é de 6% e a do próximo, 4%, sempre com tolerância de dois pontos para cima e para baixo. A tolerância vale também para 2002, de modo que estamos falando de uma inflação no ano entre 1,5% e 5,5%. Ora, é praticamente igual à meta de 2001. Além disso, o teto tolerado para 2002, de 5,5%, está pertinho do ponto médio deste ano. Sendo que a inflação deste ano, na verdade, já está rodando na casa dos 5,5%. Além disso, uma tolerância de dois pontos quando se parte de seis como ponto médio, é apertado. A mesma margem de dois pontos partindo da média de 3,5% é muito mais folgada. Ou seja, o governo está dizendo que vai na inércia do atual ritmo de inflação, que é cadente, mas sem esforço adicional para forçá-la mais abaixo. Com isso, pode reduzir os juros básicos, como aliás o Banco Central já está fazendo, permitindo crescimento mais forte. Não faz muito tempo, o ministro Malan costumava dizer que a prioridade era buscar a menor inflação possível. Ora, era possível buscar menos do que 3,5% para 2002. Mas não, o governo não vai buscar esse padrão de Primeiro Mundo. Vai tolerar um pouco mais. Mudando um pouco a frase de Malan, pode-se dizer que o objetivo agora é a menor inflação possível mas numa equação em que o crescimento econômico acima dos 5% ao ano é a variável principal. Isso não quer dizer que se trata de crescimento a qualquer custo, ou ao custo da volta da inflação, cuja eliminação tem sido o ponto de honra do Plano Real e cabo eleitoral do presidente Fernando Henrique. Na verdade, o governo está tentando aproveitar duas mudanças radicais. Uma foi a introdução do regime de câmbio livre, no qual o BC não precisa mais manter juros altos para atrair os dólares com os quais, antes da desvalorização, sustentava a cotação do dólar. A segunda mudança é a virada nas contas públicas – o fato de o governo ter conseguido montar uma complexa estrutura que garante o superávit primário nas contas públicas. Pagas as despesas de custeio e investimento, o setor público tem feito uma sobra com a qual paga juros e abate dívida. É a primeira vez que isso acontece em muitos e muitos anos. Antes o setor público gastava tudo o que arrecadava e ainda ficava devendo, de modo que tinha de tomar mais dinheiro emprestado. Era como avançar no cheque especial para pagar dívida do cartão de crédito. O superávit primário de hoje é decisivo. O governo toma menos empréstimos, é solvente, torna-se um credor confiável, melhoram as expectativas, caem os juros. Assim, os fundamentos internos acabaram bem arrumados, um pouco por ciência e administração, um pouco por sorte. O resto do serviço depende de mais um pouco de sorte. Tudo estaria perfeito se, além de tudo, o comércio externo estivesse produzindo um superávit folgado – os dólares necessários para cobrir os compromissos externos. Não é o caso. Estamos e estaremos longe disso por bom tempo. Assim, para fechar as contas externas, o país precisa da entrada de investimentos e financiamentos externos, o que depende da estabilidade lá fora. O fator chave nisso é a economia americana. Se desacelerar suavemente, o que significa entrar em um ritmo de crescimento de 3,5% ao ano, estará perfeito. Haverá uma combinação de expansão nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. Ou seja, mercados compradores e investidores procurando negócios. Se for assim, o Brasil terá à sua frente, escancarada, mais uma janela de oportunidade: uma combinação de boas condições internas com um mundo em crescimento. Inversamente, os riscos são um crash nos Estados Unidos – o risco maior – e, aqui, o abandono da política de ajuste das contas públicas. O crash, hoje, é menos provável. Os sinais americanos são de desaceleração controlada. E o ajuste fiscal parece bem encaminhado, inclusive com novas leis. Quanto aos EUA, não há o que fazer senão torcer. Mas a situação interna depende de boas decisões políticas a serem tomadas aqui mesmo. Tudo considerado, é muito provável que o Brasil esteja entrando em um período de forte crescimento. Já não era sem tempo. Eis o cenário planejado para 2002: o setor público fazendo um superávit primário de 1% a 2% do Produto Interno Bruto, mais folgado em relação ao de hoje (3,5% do PIB), o que significa que todo o governo terá um pouco mais de dinheiro para gastar; a taxa básica de juros pode estar em torno de 11%, com inflação de 3,5% (a meta), o que significa juros reais entre 6% e 7% ao ano, que o presidente do BC, Armínio Fraga, diz ser a taxa de equilíbrio para o país. Um sonho, mas viável. No sexto aniversário do Real, depois de dois anos pavorosos, surge uma expectativa positiva. Talvez todo o sacrifício não tenha sido em vão.

Deixe um comentário