A infra-estrutura aeroportuária funciona no limite não admite o menor erro. Apagão do governo
Vamos supor que não tivesse havido nenhuma tragédia e/ou que a causa dos dois acidentes tenha sido uma combinação de falhas humana e técnica. Isso eliminaria a crise do setor aéreo? Reduziria as responsabilidades do governo federal?
A resposta é um duplo não. Por não ter entendido isso, o governo erra na avaliação da crise e na sua administração.
Os estrategistas do presidente Lula se concentraram em procurar culpados fora das áreas controladas pelo governo. Assim, se o problema não foi na pista nem no controle do tráfego, mas no avião e na pilotagem, tudo bem, toc, toc, toc na oposição e na mídia. E aí, segue a interpretação oficial, não há grande crise, de modo que algumas reforminhas aqui e ali quebram o galho.
Um erro caro.
Os elementos que causam a crise aérea estavam aí antes dos acidentes e continuam no cenário.
A primeira causa: a demanda por vôos tem crescido na base de 12% ao ano. O número de passageiros simplesmente dobra a cada seis anos. As companhias aéreas têm conseguido responder a essa demanda. Em parte, foram até responsáveis por ela com a introdução da política das tarifas baixas.
Mas a oferta de vôos depende também da infra-estrutura aeroportuária, de inteira responsabilidade do governo. E enquanto a demanda aumentava, o governo federal reduzia os investimentos no setor. Quando investiu, não o fez nos setores mais críticos.
Isso agravou uma situação que vinha de anos. Há quanto tempo não se faz uma obra importante no setor?
Para ficar só em S.Paulo: a terceira pista do aeroporto de Guarulhos, prevista desde 1987, continua na gaveta o trem ligando S.Paulo a Cumbica, outro projeto antigo, está parado ( governo Serra está prometendo retomá-lo e lançar a licitação ainda neste ano) o trem S.Paulo/Campinas, que viabilizaria o aeroporto de Viracopos, é só uma idéia.
Para complicar as coisas: a demanda por vôos tende a aumentar. Voam turistas e pessoas a trabalho. Turistas dependem de renda, crédito e passagens mais em conta. Tudo isso está acontecendo com o processo de estabilização da economia.
O crédito, em especial, tem expansão espetacular, propiciada pelo fim da inflação e a consequente queda de juros. Basta dar uma olhada nas páginas deste jornal: você vai a Salvador, para cinco dias, por cinco prestações de R$ 152. Ou passa uma semana em Bariloche por nove de R$ 220, mais entrada de uns R$ 650.
Como os negócios também esquentam em uma economia em crescimento, isso necessariamente gera mais viagens de trabalho. E tudo combinado gera mais transporte de carga, aí incluídas as encomendas menores, os malotes.
E, de novo, tudo isso esbarra na infra-estrutura aeroportuária. Assim como o governo federal, dono de todo o setor, não conseguiu acompanhar a demanda crescente nesses anos todos, também não tem projetos de peso nem dinheiro para fazer as grandes obras necessárias.
A falta de visão ficou evidente no lançamento do PAC, programa cujo objetivo explícito é ?superar os gargalos da economia?. Ali estão previstos, deste ano até 2010, investimentos de R$ 3 bilhões em 20 aeroportos.
Mixaria. A única pessoa que considera ?robustos? esses investimentos é ? adivinharam – o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
O próprio ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, calcula que o setor precisaria de uns R$ 40 bilhões, no mesmo período. Só para reformas de peso e ampliações nos três principais aeroportos de São Paulo, seriam necessários uns R$ 7 bilhões, já.
Por isso, o ministro Bernardo tomou duas iniciativas recentemente: pediu ao BNDES um estudo sobre como destravar o setor e introduziu nos altos escalões federais a questão da privatização de aeroportos. É por bom senso e por necessidade: o governo não tem nem capacidade, nem dinheiro para tocar os grandes projetos necessários o setor privado tem, logo…
Qual a chance dessa idéia prosperar? (Esta coluna foi escrita antes do discurso de sexta-feira do presidente Lula).
As chances são remotas. Primeiro pelo precedente: o governo ainda não conseguiu nem fazer Parcerias Público Privadas, nem simples concessões de rodovias. Segundo, pela ideologia: privatizar é neoliberal, como se sabe. Na verdade, se saísse um programa de privatização de aeroportos seria um milagre.
A esperança é que já ocorreram milagres no governo Lula. Ou não foi milagre, e dos grandes, a decisão de Lula de jogar no lixo todos os programas econômicos do PT e da esquerda, para manter a política construída na era FHC (superávits primários, metas de inflação, Banco Central autônomo e câmbio flutuante)?
Além disso, Lula disse na semana passada, referindo-se a seu passado de oposicionista, pré-governo: ?a quantidade de coisas que eu falei e falava porque era moda falar, mas que não tinha substância para sustentar na hora em que você pega no concreto?.
Uma das coisas que ele falava era que a privatização destruía o Estado e que o setor público precisava controlar as chamadas áreas estratégicas de infra-estrutura. Isso era a moda da esquerda. O concreto de hoje: o controle do governo revelou-se um desastre onde privatizou, foi bem.
Até aqui, o governo insiste nas reforminhas e nessa fantástica idéia do grande planejador público para resolver a crise: em vez de aumentar a oferta do sistema, reduzir a demanda, isto é, cancelar vôos, dispensar passageiros.
Concluindo: com a infra-estrutura precária, o sistema trabalha no limite do limite. Só aceita operações totalmente dentro dos padrões. Qualquer escapada, é desastre na certa. Se a pista de Congonhas tivesse mais mil metros, o piloto teria chance maior. E por que aquele avião pousa naquela aeroporto em dia de chuva? Por que não tem outro.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 23 de julho de 2007