. A ECONOMIA VAI BEM, O POVO ACHA QUE NÃO. AINDA NÃO
A última semana propiciou dois debates políticos em torno da economia brasileira, cujos indicadores continuaram mostrando a retomada do crescimento. O primeiro saiu das pesquisas de opinião, segundo as quais a população continua achando que a economia vai mal e põe a culpa disso no governo. O segundo é quase o contrário: especula-se sobre a possibilidade de os avanços na economia ajudarem ou não os candidatos ligados ao presidente FHC nas próximas eleições.
Poderia haver uma preliminar: e se a economia não estivesse de fato melhorando? Mas os indicadores são abundantes – o último, de sexta-feira, mostrou que a produção industrial cresce mais de 6% em relação a 1999 – e há fatos simbólicos, como as montadoras voltando a contratar.
Nesse caso, por que as pessoas não percebem? Como explicar, por exemplo, que os brasileiros atribuam nota negativa ao governo no quesito combate à inflação (resultado da pesquisa Vox Populi) quando a inflação ao consumidor no primeiro semestre (em São Paulo) foi a mais baixa desde 1939?
A preliminar aqui é questionar a pesquisa. Poderia estar errada?
A reposta é não. O Instituto Vox Populi é sério, tem bom retrospecto e, de resto, a visão negativa da população aparece em todas as pesquisas de opinião.
Sendo os institutos que medem os índices de inflação igualmente sérios, a questão fica mais complicada. E perigosa. Um viés autoritário encontraria a "prova" de que o povo não entende nada, não sabe o que quer, muito menos votar.
Poder comprar – Para desmontar essa tese, é preciso olhar mais de perto o processo de recuperação da economia. Antes, fixemos uma idéia, a seguinte: as pessoas acham que a economia vai bem quando podem comprar cada vez mais. Isso faz sentido em qualquer país do mundo: crescimento econômico significa, necessariamente, aumento do poder aquisitivo do país e da população.
E por falar nisso, tomemos o caso da massa real de salários, medida do IBGE que soma o total de salários pagos e desconta a inflação. É uma boa aproximação do poder de compra.
Nesse ponto, o ano de 1999 começou ruim e foi piorando. Em janeiro, o total de salários pagos aos brasileiros caía 1,5% em relação ao ano anterior. A queda foi se aprofundando a cada mês, até que em dezembro a massa real de salários registrava impressionante queda de 5,5%. Isso foi consequência tanto do desemprego – menos pessoas recebendo – quanto da queda do valor real dos salários, corroído por uma inflação ao consumidor que chegou perto de 10%.
Acrescente-se que os juros estiveram altos a maior parte do ano e que o crédito foi escasso – e eis aí: as pessoas compraram menos coisas do que compravam em 1998.
Partindo desse fundo do poço, o que está acontecendo neste ano é que parou de piorar. Em janeiro último, a massa real de salários caía 5% em relação ao ano anterior. Em março, 4,1%, em maio, 3,5%. Mês a mês vai melhorando, mas isso significa que as perdas estão diminuindo gradualmente.
É verdade que o crédito está voltando e os juros caíram – tanto que têm aumentado produção e vendas de automóveis, eletrônicos e eletrodomésticos como geladeiras e fogões. Por outro lado, produção e vendas dos bens semi e não duráveis, que incluem de roupas a comida, mal empatam com o ano passado, quando não registram queda.
Ou seja, o orçamento está apertado para as despesas do dia-a-dia e mais se aperta quando a família precisa aproveitar a queda da prestação para trocar o fogão. Em resumo, a economia está em crescimento, já produz mais que no ano passado, mas tendo sido 1999 o fundo do poço a população ainda não percebe ganhos reais no seu poder de compra. Faz alguma diferença estar no fundo ou no meio do poço em movimento ascendente, mas o desconforto permanece igual.
Colocando nessa história os reajustes de tarifas de serviços públicos – verdadeiros tarifaços – a explicação está feita: as pessoas não conseguem comprar as coisas de que precisam ou desejam e observam, nos noticiários e no bolso, aumentos de 12% para cima em telefone, energia elétrica, gasolina, etc..
Vox Populi: quem falou que não tem inflação e que a vida melhorou?
Reverso da medalha – Mas como de fato não tem inflação, excetuadas as tarifas, cujo impacto se dilui depois de algum tempo, e como de fato a economia está crescendo, com prognóstico de expansão prolongada, então é questão de tempo.
Não havendo nenhum desastre externo, como parece que não vai haver, estão dadas todas as condições internas para um bom período de crescimento. Não é algo fatal, mas muito provável.
Com sorte, no caso dos acontecimentos externos sobre os quais não temos controle, e com competência, no caso dos fatores locais, o país pode emplacar três, quatro anos de expansão – e isso significa que dentro de alguns meses o poder de compra das pessoas vai aumentar de fato.
É o reverso de 1999. Havendo mais emprego, mais gente recebendo salários, estando os salários protegidos da inflação, ampliando-se o crédito e caindo os juros – logo as pessoas poderão a cada mês comprar mais do que no mês anterior. Perceberão a melhora e isso aparecerá nas pesquisas.
Não é certo, porém, que devolvam a popularidade ao governo e, em especial, ao presidente Fernando Henrique. As pessoas poderão entender que a melhora se deu a despeito dele e de seus erros.
Essa percepção vai depender do jogo político – de como as lideranças e os partidos vão lidar com a realidade econômica. Nisso, o destino de FHC depende essencialmente dele, de sua capacidade de se apropriar dos ganhos da economia. Depende de liderança, comunicação, persuasão, essas virtudes que FHC já praticou, esqueceu em certos momentos mas que ainda pode recuperar. Já está tentando. Por exemplo, sua participação em atos para anunciar mais produção de petróleo.
Mas veremos.
De todo modo, as eleições municipais estão muito próximas. São apenas dois meses até lá, pouco tempo para se perceber uma virada forte na economia. Mas piorar não vai. Além disso, devem ocorrer eventos positivos (redução de juros, sempre saudada nos noticiários, concessão de créditos variados, alguns gastos do governo, pois está com folga de caixa).
Tudo visto, a economia pode ter algum impacto limitado já neste pleito. Pode, por exemplo, reanimar forças próximas a FHC.
Já para 2002, o país deve estar em pleno crescimento econômico, tendo acumulado três anos de expansão. Esse é o prognóstico mais provável – de modo que o cenário eleitoral será bem diferente do que parece visto hoje.
Ainda nem terminou o primeiro tempo.
(Publicado em O Estado de S.Paulo, 10/07/2000)