A NOVA AGENDA: CRESCIMENTO DE VERDADE

. O próximo passo   Não se trata mais de debelar a crise. O desafio agora é transformar a recuperação em crescimento de verdade   A agenda mudou por completo: não se trata mais de procurar saídas para a crise, mas de encontrar caminhos que transformem a atual recuperação em crescimento sólido. Com o que se tem hoje, o país pode crescer dois anos seguidos na faixa de 3,5% a 4% por período, sem trombar com inflação ou com dificuldades nas contas externas. Isso, é claro, sem crise externa – mas até nesse ponto estamos com sorte. As últimas semanas trouxeram dados animadores sobre a economia americana: a retomada parece consistente. Se antes era movida a gasto público e construção da casa própria, os últimos dados mostram que as empresas voltaram a investir e as famílias multiplicaram suas visitas aos shoppings. E até o Japão, estagnado desde os anos 90, dá sinais de vida. Segundo os prognósticos da revista Economist, deve crescer mais do que a União Européia neste ano e no próximo. Alguns analistas já falam de um novo ciclo de crescimento mundial, ainda que nada parecido com os espetaculares anos 90, dado o atraso da Europa, bloqueada por problemas estruturais, especialmente o cada vez mais excessivo gasto com pensões e aposentadorias. Mas não há dúvida de que, se não houver uma onda terrorista mundial, a economia mundial está voltando a acelerar. Dado esse ambiente externo favorável ou pelo menos não hostil, o Brasil depende de si mesmo. Há dois caminhos a seguir: um é perseverar na política macroeconômica que debelou a crise; o outro consiste em algumas outras reformas macro, mas principalmente em um conjunto de medidas microeconômicas que abram espaço ao investimento privado e facilitem a vida de quem faz negócio no Brasil. O primeiro caminho parece seguro. Havia um risco implícito na expectativa demonstrada por boa parte dos integrantes do governo Lula: a de que, domada a crise, se poderia abandonar a “política neoliberal” de emergência e partir para o Plano B. Tradução: livrar-se dos limites impostos pelo acordo com o FMI, reduzir ou mesmo eliminar o superávit primário das contas públicas, aumentar os investimentos do governo e, sobretudo, de suas estatais e deslanchar uma política industrial de subsídios explícitos a setores considerados estratégicos. Nos Ministérios de Minas e Energia e no de Cidades, assim como no BNDES, sonha-se explicitamente com isso. E tudo ficou em sonho com a decisão de renovar o acordo com o FMI, anunciada oficialmente pelo Ministério da Fazenda em 4 de novembro. Possivelmente, foi uma decisão mais voltada para a política interna. Neste momento e no horizonte próximo, o Brasil não tem problemas de financiamento de suas contas externas. Em bom português: não está precisando dos dólares emprestados pelo Fundo. Mas talvez precise do acordo como uma espécie de seguro de manutenção da atual política econômica. Algo como blindar a equipe econômica e protegê-la do assédio do pessoal do Plano B. É verdade que o superávit primário de 4,25% do PIB foi inscrito na Lei de Diretrizes Orçamentárias para os próximos três anos, como vontade própria do governo, antes de formalizar novo acerto com o FMI. Mas, se o Orçamento da União é autorizativo, isto é, pode ou não ser cumprido, o que dizer de simples diretrizes? Seria difícil resistir a pressões do tipo: como fazer superávit e deixar de investir em hidrelétricas ou gastar com o Fome Zero ou na saúde? Amarrado na âncora do FMI, o ministro Antonio Palocci pode dizer aos colegas: “pois é, eu até concordaria em gastar mais, mas tem o acordo …” E assim o ministro da Fazenda levou mais uma. Depois de ter assumido o acordo herdado, o governo Lula assina seu próprio programa com o FMI, essencialmente nas mesmas bases. O fator chave é o superávit primário e o equilíbrio da dívida pública. O resto é perfumaria. Com isso, o primeiro caminho, manutenção das bases da atual política econômica, está preservado. O rumo agora é ir reduzindo os juros gradualmente. O segundo grande caminho, abrir espaço para o investimento privado, dada a falta de dinheiro público, continua por construir. Conforme mostra o quadro anexo, há uma ampla agenda a cumprir. E sempre uma disputa entre os que querem mais gasto público e os que depositam suas esperanças no investimento privado. No Ministério da Fazenda nota-se a forte convicção de que, vencidas as batalhas das reformas da Previdência e Tributária (esta limitada), será mais fácil tocar uma agenda microeconômica cujo objetivo central seja destravar o crédito e reduziros juros. A ver. Publicado na revista Exame, edição 805, data de capa 12 de novembro de 2003

Deixe um comentário