A MUDANÇA NA META DE INFLAÇÃO

. Aumentando o alvo Quando você não acerta o alvo, abrem-se duas possibilidades: apurar a pontaria ou aumentar o alvo. O Conselho Monetário Nacional aumentou o alvo ao alargar a meta de inflação para 2003, decisão tomada na última quinta-feira. A meta saltou de 3,25% com tolerância de dois pontos para 4% com tolerância de 2,5 pontos. O teto, portanto, passou de 5,25% para 6,5%, por sinal abrindo uma boa folga para o primeiro ano do próximo governo. Qual a medida desse alargamento? Heródoto Barbeiro, âncora da CBN e da TV Cultura, perguntou se poderia dizer que trocaram o alvo de um coelho para um elefante. Não chega a tanto. Colocaram, talvez, um coelho mais gordinho, sugeriu Miriam Leitão, do Globo, TV Globo e CBN. Um bicho pelo outro, o fato é que o alvo agora é maior. E com isso, eis o ponto que interessa, abriu-se um amplo espaço para a redução da taxa básica de juros, já. O regime de metas de inflação, adotado em diversos, grosso modo, funciona assim: o governo dá ao Banco Central a tarefa de manter a inflação em um determinado nível; o principal instrumento para isso é a taxa básica de juros; no caso do Brasil, a taxa é fixada pelo Comitê de Política Monetária, o Copom, que nada mais que a diretoria plena do BC. Se a inflação está escapando da meta, o BC eleva os juros. Com isso, encarece financiamentos tanto para investimento quanto para consumo e giro, travando a atividade econômica. Com menos negócios, menos gente gastando no shopping e menos produção, não há como aumentar preços. Se, inversamente, a inflação converge para algum ponto abaixo da meta, o BC reduz os juros e estimula os negócios. Acrescente-se ainda que a política de juros produz efeitos não imediatamente, mas em um prazo de quatro a seis meses. Assim, se o BC reduzir os juros agora em julho, estará criando boas condições para os negócios na virada para 2003. Isso posto, eis a importância da mudança de metas (que sempre tomam como referência o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, IPCA, medido pelo IBGE nas principais regiões metropolitanas). Conforme o último Relatório de Inflação, um documento trimestral do BC que dá uma geral na coisa, a inflação de 2003 aponta para 2,6%, isso se for mantida constante a atual taxa básica de juros, de 18,5% ao ano. Ora, se o centro da meta para 2003 tivesse sido mantido em 3,25%, haveria espaço para reduzir os juros, mas não muito, porque a folga seria de apenas 0,65 ponto percentual (de 2,6% para 3,25%). Com a meta puxada para 4%, a folga salta para 1,4 ponto percentual. O espaço aumenta do mesmo tamanho quando se considera o teto de tolerância, que foi de 5,25% para 6,5%. Tudo isso parece coisa pouca, meio ponto para cá, um para lá, mas acredite, caro leitor, cara leitora, faz diferença sim. Em resumo, com as metas anteriores, o BC poderia reduzir os juros só um pouco, para que as previsões ficassem perto dos 3,25%, guardando-se a margem de segurança para a ocorrência de algum imprevisto. Agora, os juros podem cair mais e ainda assim se fica na meta dos 4% e com uma boa sobra para choques inesperados. Simples, não? Pode-se até dizer que esse regime de metas de inflação é a maior moleza. Se os tiros passam longe do alvo, aumenta-se o alvo e, pronto, ganhamos o prêmio. E se fosse exatamente assim, é claro que essa política não serviria para nada. Mas não é simples assim. Há preços e preços. Um sorvete, uma entrada de cinema, um paletó, um carro – tudo isso está na categoria dos preços livres. Flutuam ao sabor do mercado, palavra que abrange muita coisa. Desde o frio, que aumenta a demanda por casacos de lã e, pois, permite preço maior, até a política de juros que torna o crediário mais ou menos acessível. Ora, o BC não pode fazer nada quanto ao frio, mas, manipulando a taxa de juros, influi na demanda e, pois, nos preços. Juros proibitivos travam a economia, reduzem a demanda e impedem alta de preços. Mas a conta de luz não depende nem do mercado, nem da política de juros. Depende do contrato da distribuidora de energia com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – contrato complexo, firmado depois da privatização, que inclui muitos itens (novos investimentos, amortizações, rentabilidade mínima, compensações) e, frequentemente, o preço do dólar. Muitas distribuidoras compram energia de Itaipu, que a cobra em dólares. É um preço, portanto, administrado anualmente pela Aneel. Assim, faça chuva ou faça sol, quer você gaste mais ou menos energia, quer os juros sejam de zero ou mil por cento, a conta de luz vai subir no prazo certo, conforme os parâmetros definidos no contrato, incluindo o dólar. Há também preços que não são administrados pelo governo, mas são de algum modo monitorados e indexados. Por exemplo, gasolina e gás, que dependem do preço do petróleo, que depende da cotação do dólar. Assim, há uma quantidade de preços, incluídos nos índices de inflação, que são suscetíveis aos chamados choques externos, entre os quais tem se destacado a escalada do dólar, determinada por motivos tão variados quanto a crise da Argentina, a guerra no Oriente Médio, Osama Bin Laden ou as eleições aqui mesmo. Tudo considerado, a inflação deste ano deve alcançar 5,5% (o teto de tolerância da meta), sendo que quase a metade vai por conta dos preços administrados. Para 2003, a mesma coisa. Por exemplo: a energia elétrica está subindo mais de 19% neste ano. Mantidas as metas anteriores, o BC seria obrigado a colocar juros muito altos para derrubar os preços livres e assim compensar a alta dos administrados e monitorados. Com juros muito altos, se chegaria à situação de parar a economia e o país por causa de fatores que não dependem da alta (ou da queda) dos juros. Por isso, os analistas em geral concordavam que era preciso dar uma calibrada no sistema de metas. Em outros países, a prática comum é fazer algum tipo de expurgo de modo a eliminar do índice de inflação os preços tão voláteis. Como no Brasil, no passado, andaram manipulando índices de inflação, o governo FHC optou por alargar as metas em vez de expurgar determinados preços. O mercado financeiro gostou e já conta com uma redução dos juros para breve. Entre os analistas mais sofisticados, há objeções. O tempo dirá. A opinião deste articulista? Acho que foi um bom lance, com boa chance de funcionar. Ponto importante: tudo feito às claras. Publicado em O Estado de S.Paulo, 01/07/02

Deixe um comentário