A INFLAÇÃO DESPENCOU

. O Banco Central venceu     
Com uma boa ajuda do dólar barato e da safra de cana de açúcar, e com a colaboração da batata inglesa e da cenoura, entre outros alimentos, a inflação simplesmente despencou em junho. O IPCA, índice de preços ao consumidor do IBGE que é referência do regime de metas de inflação, registrou uma queda de 0,02, bem abaixo dos resultados de abril e maio, com altas expressivas de 0,87% e 0,49%. É verdade que ?0,02, na prática, indica estabilidade, mas não se pode perder a chance de comemorar um índice negativo. Afinal, a última vez que havia acontecido algo parecido foi em junho de 2003, com ?0,15%. E depois,  porque a inflação vai voltar a subir ? na verdade, já está subindo em julho. Mesmo assim, o entendimento geral se mantém: o surto inflacionário foi debelado. A inflação dos últimos doze meses terminados em junho recuou para 7,3%, depois de passar várias semanas acima dos 8%. E o prognóstico de inflação para 2005 caiu para 5,7%, conforme indica o Relatório de Mercado, divulgado semanalmente pelo Banco Central. Em abril, o prognóstico indicava 6,4% para este ano. Portanto, no jargão do BC, caíram a inflação corrente e as expectativas, ora convergindo para as metas, de 5,1% para 2005, e 4,5% para o próximo ano. Isso posto, o passo seguinte é a pergunta: quando o BC volta a derrubar juros? Agosto torna-se uma hipótese cada vez mais forte. Com sorte, muitos analistas entendem que o BC pode inaugurar no próximo mês um prolongado período de redução da taxa básica de juros, desde que persistam alguns dos fatores que derrubaram preços. O dólar, por exemplo. A queda da taxa de câmbio fez caírem, primeiro, os preços no atacado e, depois, no varejo, especialmente dos bens comercializáveis ? aqueles do mercado livre, que podem ser exportados e importados, sendo suas cotações vinculadas ao dólar. Em junho, os preços desses bens caíram 0,06%. Nos últimos doze meses, subiram 5,2%, dois pontos abaixo do IPCA cheio (7,27%). O dólar barato ajuda ainda no preço de comodities e de tudo o que é importado ou tem componente importado, compensando altas de cotações no mercado internacional. A questão, portanto, é saber se o dólar continuará barato. É difícil dizer, mas por enquanto as exportações continuam quebrando recordes ? média diária de inéditos US$ 536 milhões na segunda semana de julho –  e permanece elevada a liquidez externa. Não por acaso a taxa de câmbio caiu forte no início de julho.  Assim, depois de ter levado a inflação a acelerar em 2002, o dólar agora exerce influência contrária. A propósito, parece certo que este será o terceiro ano seguido de inflação em queda, com os resultados finais dentro da margem de tolerância das metas ajustadas. Em 2005, por exemplo, o alvo central é 5,1%, com margem até 7%.  Para julho, as influências de alta já estão colocadas. A expectativa é de um IPCA de 0,4%, por causa do reajuste de alguns preços administrados, como pedágios, ônibus interestaduais e, principalmente, o telefone fixo. E também porque chega ao fim a queda de preços do álcool, do açúcar e de outros alimentos. Mas surpresas podem ocorrer por causa da concorrência. Pelo menos uma grande companhia telefônica já anunciou que não vai elevar os preços das tarifas nacionais, locais e de longa distância. Em resumo, o ambiente é de novo benigno no que se refere à inflação. Ponto para o BC. Muitos analistas do primeiro time continuam achando que se teria dominado o surto inflacionário com taxa básica de juros um tanto mais baixa. Nunca se saberá, mas o fato inequívoco é que a inflação converge para a meta. Qual o custo em termos de desaceleração da economia? Foi alto se considerado o resultado do primeiro trimestre do ano, quando o Produto Interno Bruto cresceu apenas 0,3% em relação aos três meses anteriores. Entretanto, há sinais de que o resultado do segundo trimestre será melhor. Por exemplo: a produção industrial de maio, medida pelo IBGE, indicou alguma aceleração, especialmente no setor de bens de capital (alta de 3,4% em relação a abril, com ajuste sazonal); . a produção de veículos veio forte em maio e junho; . o tráfego de caminhões pesados nas rodovias pedagiadas subiu 1,3% em junho em relação a maio, com ajuste, conforme o indicador da Associação Brasileira de Concessionários de Rodovias e da consultoria Tendências; . a entrega de caixas e acessórios de papelão ondulado registrou alta de quase 4% em junho, sendo este também um bom indicador antecedente (se o pessoal está comprando material de embalagem, é porque tem mercadoria a entregar). Boa parte dessa atividade tem a ver com os seguidos recordes quebrados pela exportação. Mas há algo também no consumo doméstico, setor no qual a expansão do crédito continua ajudando. Claro, ninguém está esperando um crescimento exuberante, mas também ninguém aguarda uma recessão. Com inflação controlada e juros em queda, a expectativa é de uma moderada recuperação da atividade econômica para o restante do ano, mantido o cenário externo positivo. Neste, por sinal, o risco mais imediato continua sendo o petróleo, cuja cotação tem ultrapassado os US$ 60 por barril em diversos momentos. Se a coisa continuar assim, ou piorar, não haverá como evitar alta no preço dos combustíveis, com as conseqüências negativas que isso traz: mais inflação, menos crescimento. Por enquanto, porém, os analistas estão considerando que a gasolina não sobe  no Brasil, em grande parte por razões políticas. Conforme dados da consultoria DZ Negócios com Energia, fundada por David Zylberstajn, desde janeiro de 2003, início do governo Lula, a Petrobrás tem uma perda acumulada de R$ 4,2 bilhões por não equiparar o preço interno, cobrado em suas refinarias, com a cotação do mercado spot americano. Em junho, por exemplo, o preço do litro de gasolina nos EUA era o equivalente a R$ 0,99, contra R$ 0,86 da Petrobrás. Mas alguém acha que a estatal vai aumentar o preço em meio a esse vendaval político? Eis aí como, surpreendentemente, a economia mostra bons sinais em meio à crise política. Mas esse é um risco mais forte e provável: uma acentuada incapacidade administrativa do governo gerando incerteza entre consumidores e empresários, atrasando a recuperação. É uma pena: a economia tem sido generosa, aqui e, sobretudo, lá fora. Crescer um pouco neste ano pode ser menos um êxito do que uma oportunidade maior perdida. Publicado na revista Exame, edição 847, data de capa 20/julho/2005

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