. O monopólio estatal é pior O caso Microsoft não tem aparecido na mídia nos últimos tempos, mas segue o processo no qual a empresa é julgada por prática monopolista e predatória. Em resumo, por arrasar a concorrência. Note-se, porém, que o domínio do mercado da Microsoft não foi dado de bandeja. A empresa conquistou-o. Certo, com táticas não propriamente ortodoxas, mas também com um bom produto, enfrentando concorrentes. Além disso, a Microsoft não controla todo o mercado de programas de computador, embora seja dominante em muitos nichos. Finalmente, trata-se de uma empresa privada submetida a severa vigilância das autoridades governamentais encarregadas de defender o mercado livre e a concorrência. Tanto que processaram o gigante. Considere-se agora a Petrobrás. Seu monopólio é avassalador. Teoricamente, uma empresa pode ser considerada monopolista quando detém mais de 25% de um determinado mercado. A Petrobrás manda em 98% do mercado de derivados de petróleo no Brasil. Esse monopólio não foi conquistado na dura concorrência. Foi dado pela sociedade brasileira com a campanha “o petróleo é nosso”, da qual resultou a lei que garantiu à estatal o monopólio absoluto de explorar, refinar e importar petróleo, de resto um produto essencial que o consumidor não pode substituir. Mais recentemente, novos tempos ditos liberais, o Congresso votou uma emenda constitucional suspendendo esse monopólio legal. Agora, o mercado é livre. Quem quiser, pode produzir ou importar gasolina, por exemplo. Mas será impossível fazer isso em escala compatível sem a utilização de instalações da própria Petrobrás, seus terminais portuários especializados, seus dutos e suas refinarias. Por que a Petrobrás faria isso? Pode-se, é claro, construir essas instalações. Isso custa tempo e dinheiro. Quando tudo pronto, as empresas que fizerem isso precisarão vender seus derivados a preço remunerador e, nesse momento, a Petrobrás, já estando no mercado com investimentos amortizados, pode praticar preços menores. E se o mercado é livre, a Petrobrás, como qualquer empresa que sofre competição ou está ameaçada por ela, tem o direito de se defender. Mais exatamente, tem o direito de defender o lucro de seus acionistas, a União, representada pelo governo federal, e milhares de investidores nacionais (incluindo o pessoal que comprou ações com dinheiro do FGTS) e externos. E não se deve esquecer que o governo disse à Petrobrás que, num mercado livre, sua obrigação era buscar eficiência e … lucros. Mas o governo também tem a obrigação de garantir o funcionamento do livre mercado e da concorrência, além dos interesses do consumidor. Conta para isso com vários órgãos, que podem ser acionados para obrigar a Petrobrás a não esmagar a concorrência. Eis aí o quadro de paradoxos e contradições criado pelo modelo que, por razões políticas, criou esse mercado livre com um monopólio estatal quase absoluto. O fato de ser estatal faz enorme diferença. Diante de um monopólio privado, o governo pode agir contra os interesses imediatos de seus acionistas, o máximo de lucros, tendo como base legítima de sua intervenção o interesse público. Por exemplo: garantir a competição ou proteger o consumidor (bloqueando preços excessivos) ou defender a estabilidade da moeda (impedindo que o preço dos combustíveis provoque inflação). Mas quando o governo é acionista majoritário do monopólio, surgem as contradições e as dificuldades. O extraordinário lucro da Petrobrás nos últimos dois anos, mais de R$ 20 bilhões, foi um fator importante para gerar superávit primário nas contas públicas. Ora, é do interesse público ter as finanças do governo em ordem. Além disso, o preço elevado dos combustíveis foi uma benção para os governos estaduais, que cobram ali um grosso ICMS. Se o governo, de algum modo, restringe os reajustes de preços impostos pela Petrobrás, para defender o consumidor, estará prejudicando o desempenho das contas públicas. Mais ainda: o governo estimulou os trabalhadores a utilizarem dinheiro do FGTS para comprar ações da Petrobrás. Se o governo age de forma a reduzir os preços e, pois, a rentabilidade da estatal, poderia ficar sujeito a ações propostas pelos acionistas que estimulara. Tudo isso sem contar que gasolina, diesel e gás de cozinha mais caros aumentam o custo de vida para toda a população. Eis aí mais uma prova de que modelos mistos não funcionam. Dois grandes setores da economia nacional foram privatizados de forma completa e de modo a criar competição: telecomunicações e siderurgia. Há problemas aqui e ali – as telefônicas avançaram demais, há linhas sobrando, problemas de rentabilidade – mas a coisa vai bem obrigado. Em outros dois setores, por resistências políticas, a privatização e a abertura ficaram pela metade, energia elétrica e petróleo. Não por acaso . . . Ou seja, a solução correta para o caso Petrobrás – se o modelo é de abertura – é privatizar a empresa, dividindo-a em pedaços de bom tamanho, mais ou menos como foi feito nas teles. Surgiriam algumas empresas privadas de médio porte competindo entre si e podendo se associar a outras de fora. Sem contar que o governo federal faria um bom dinheiro com a venda. Mas é preciso que lideranças políticas de peso assumam essa proposta. Alguma à vista? Parece que não. Assim, parte-se para os quebra-galhos. Por exemplo: manter a empresa estatal, mas dividi-la em diversas “Petrobrasinhas”, por setor e por região. Não funcionaria. Seria eliminada a viabilidade econômica que a escala dá à atual Petrobrás, sem a vantagem da privatização. O mercado não seria livre de verdade, porque sempre estaria presente a possibilidade do governo intervir nas suas próprias empresas para obrigá-las a fazer coisas que a racionalidade econômica não indicaria. Além disso, várias estatais devem ser um problema maior que uma. O que leva à outra proposta pura, o inverso da privatização: o governo esqueça isso de abertura e mande a Petrobrás vender gasolina barata. E os seus acionistas que entrem na Justiça. E talvez daqui a alguns anos tenhamos mais um esqueleto fiscal. Há quem acredite que se pode salvar o modelo atual. Para isso, os órgãos de defesa da concorrência deveriam obrigar a Petrobrás a ceder suas instalações para a concorrência e impedi-la de praticar dumping. Mas qual órgão teria mais poder que a Petrobrás? Eis aí, o monopólio estatal é mais difícil de controlar do que o monopólio privado. Resumo da ópera: se o preço da gasolina cair um pouco, como é possível, esse debate sai de cena por um momento. Mas estará subjacente, pois os modelos mistos são isso aí. Como não aprendemos? Publicado em O Estado de S.Paulo, 15/04/02
A GASOLINA E O MONOPÓLIO DA PETROBRÁS
- Post published:9 de abril de 2007
- Post category:Coluna publicada em O Globo
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