A FALTA QUE FAZ A CIRANDA FINANCEIRA

. —O mundo precisa de mais crédito e mais comércio, como era antes —

Há um amplo entendimento em torno disto: a crise financeira nasceu principalmente do excesso de crédito barato concedido aos compradores de residências nos Estados Unidos, mas também aos consumidores em geral, nos carnês e nos cartões de crédito, que foram alegremente às compras.
Também há amplo entendimento em torno do problema atual: o crédito escasso e caro, além da falta de confiança dos consumidores. Vai daí que o esforço dos governos e bancos centrais é justamente restabelecer o crédito e torná-lo mais barato. Ou seja, trata-se voltar à situação anterior, certo?
Claro, tudo é uma questão de medida. Os excessos acabam levando a bolhas e desastres, mas o ponto a fixar é o seguinte: o normal da economia capitalista é ter muito crédito e barato. Isso foi possível, no passado recente, graças ao extremo desenvolvimento do sistema financeiro, que levou ao limite a capacidade de captar poupança em qualquer lugar do mundo e distribuí-la onde houvesse demanda por investimentos e consumo.
Fala-se muito em ciranda financeira, cassinos e grossa roubalheira. Sim, houve fraudes e o mundo financeiro se sobrepôs de modo exagerado à economia real. Dados citados pela revista Economist mostraram que, em 2007, o valor nominal dos contratos de derivativos, no mundo todo, equivalia a US$ 600 trilhões, ou 11 vezes o PIB mundial. Dez anos trás, representavam apenas 2,5 vezes o produto global.
Mas esse exagero permitiu coisas notáveis. Ali onde o sistema financeiro mais se desenvolveu, mais cresceram as economias reais. Nos EUA, o desastre financeiro foi notável, mas antes disso não faltou capital barato para a formação, por exemplo, das empresas da Tecnologia da Informação.
Por outro lado, e para usar um conceito político do bem, houve uma ampla democratização do crédito nos EUA.
O Brasil, que sempre teve crédito curto e caro, estava começando a entrar no bom mundo do dinheiro emprestado. Graças à estabilidade macroeconômica e ao boom mundial, o crédito concedido a pessoas e empresas no Brasil simplesmente dobrou em cinco anos. Foi de 20% do PIB em 2003 para pouco mais de 41% no ano passado, o que explicou a explosão do consumo de automóveis a celulares. Ajudou a formar essa nova classe média.
Portanto, cuidado! A reforma das economias deve ser no sentido de restabelecer o crédito, com supervisão e regulação melhores, não necessariamente mais restritivos.

Outra ameaça
O protecionismo é aquele caso em que a política, pelo menos a de curto prazo, colide com a economia.
No varejo, proteger uma indústria ou todo um setor parece fazer sentido. Se uma fábrica brasileira vai fechar porque não consegue competir com brinquedos vindos da China, então teremos empregos perdidos aqui e preservados lá na China. Logo, aplica-se um imposto proibitivo sobre o produto chinês e salvam-se os empregos brasileiros.
Do mesmo modo, como fizeram os deputados americanos, se o governo vai gastar dinheiro do contribuinte americano para fazer estradas e pontes, por que deveria comprar aço estrangeiro e assim estimular o emprego lá fora? Comprando só aço americano garante os empregos nacionais.
O efeito imediato da proteção é visível. Os outros, não.
Para o consumidor local, o efeito é péssimo. Vai pagar mais caro e se torna freguês cativo do fabricante nacional, pois a proteção elimina a concorrência maior, que é a internacional. E sem competição, a busca pela qualidade cai. Portanto, a proteção transfere renda do consumidor para o produtor e reduz a competitividade daquele setor.
Mas o problema maior ? e que demora a aparecer ? está no comércio internacional. Quando todos os países se guiam pela proteção, e uns retaliam outros (por exemplo, o Brasil restringe a importação de carne argentina para retaliar os argentinos, que impediram a importação de geladeiras brasileiras) o resultado geral é uma redução no volume do comércio mundial.
Menos comércio dá em menos desenvolvimento e em menos empregos. Assim, os americanos salvam os empregos do pessoal do aço, mas perdem os empregos dos que trabalham em fábricas e serviços que fornecem para o exterior. Os americanos não vão comprar nosso aço? Ok, não compramos os filmes deles.
O mundo já passou por períodos de protecionismo. Em todos houve perda de crescimento. Mas evitar isso depende de ação coordenada de países. Se não, cada um segue sua lógica particular e o resultado é um desastre geral.
Podem gastar
Eis o recado do governo Lula para os prefeitos que assumiram seus mandatos em janeiro: renegociem a dívida com o INSS em 240 meses isso feito, tomem novos financiamentos com os bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica) dinheiro na mão e obras iniciadas, não paguem mais nenhuma prestação e deixem o problema para o próximo prefeito.
Quem explicitou a dica foi o próprio ministro da Coordenação Política, José Múcio Monteiro, ao anunciar que o presidente Lula assinaria a Medida Provisória reabrindo a negociação de dívidas com o INSS. Perguntado se não era um perdão ou uma maior moleza para prefeituras que já haviam renegociado e continuaram sem pagar, o ministro negou e explicou: ?Não queremos é punir boa parte dos novos prefeitos, que tinham suas administrações engessadas por dívidas contraídas pelos antecessores?.
Logo, o prefeito atual não tem nada a ver com a dívida deixada por seu antecessor e, portanto, tem o direito de fazer dívida nova e deixar para o sucessor. Com essa prática, tão comum no passado, as prefeituras, e também os governos estaduais, aumentavam as dívidas até que chegava um momento em que o governo federal assumia os débitos. Com o dinheiro do contribuinte, claro, e aumentando a dívida pública federal.
Com a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 1999, parecia que isso estava no passado. Mas, sabe como é, vêm aí as eleições presidenciais, o dinheiro não é deles …

Publicado em O Estado de S.Paulo, 16 de fevereiro de 2009

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