Deu na imprensa no mesmo dia: pesquisa do IBGE mostra que o pessoal
do Programa Saúde da Família não visita regularmente nem metade dos domicílios cadastrados; Polícia Federal apanha quadrilha que “falsificava” operações cardíacas no SUS para roubar material cirúrgico e utilizar em clínicas particulares.
Na primeira notícia, um fracasso administrativo e descaso com a população. Na segunda, uma complexa operação que vai da falsificação de diagnóstico à lavagem de dinheiro.
Dá o que pensar. Não se deveria falar de dificuldades administrativas ou falta de dinheiro no serviço público. Se o pessoal tem imaginação e capacidade burocrática para encontrar o dinheiro e montar as fraudes no SUS (e na Petrobrás, nas licitações eletrônicas, no DPVAT, para citar só os mais recentes) então deveria saber como tocar as mais simples e honestas operações.
Convenhamos: deveria ser muito mais fácil organizar os agentes comunitários para que visitassem mensalmente os clientes do Saúde da Família. Pois atendem assim menos da metade. Pior ainda, mostra o IBGE: quase 20% das casas registradas nunca foram visitadas.
Já a fraude do SUS, essa mais nova, é um espetáculo de eficiência. O esquema começava assim: o médico examinava um paciente do SUS e dava dois diagnósticos, um mandando o “doente” tomar uma aspirina, por exemplo, outro indicando uma cirurgia complexa, com a necessidade de instrumentos e material como válvulas, stents, etc.
O paciente pegava sua receita e ia para casa. O outro diagnóstico seguia os trâmites burocráticos, ou seja, aprovação, compra dos instrumentos, agenda da operação que não acontecia e desvio do material para clínicas particulares. Capaz até de estarem utilizando esse material para pacientes de planos de saúde de órgãos públicos. Faziam isso em pelo menos quatro Estados.
Vamos reparar: é competência, para o lado do mal, é verdade, mas competência mesmo assim.
O que nos leva à questão: por que a competência parece estar sempre do lado errado?
Tem aí um fator cultural. Há muito descaso quando se trata de atender a população mais pobre. Até que tem melhorado, mas ainda prevalece aquele entendimento de que o pobre deveria era estar agradecido por ser atendido. Queriam mais o quê? Tratamento vip?
Vips – aquelas pessoas muito importantes que não entram na fila e são bem atendidas mesmo quando procuram um serviço público.
O chefão ou o político governante resolve dar uma checada de surpresa no bandejão do segundo andar. E o atendente: doutor, o senhor por aqui? o picadinho acabou, aceita um filé?
Isso se muda com o tempo, com os exemplos, com uma prática correta, e vigiada, por anos a fio. Mas há um ponto que depende de gestão: a avaliação permanente dos programas e serviços públicos. Saúde da Família é um bom programa, mas é necessário checar todos os meses se os agentes comunitários estão visitando a clientela.
O Bolsa Família não é para dar dinheiro aos pobres. É para acabar com a pobreza e isso só vai acontecer se as crianças frequentarem regularmente uma escola na qual aprendam o suficiente para arrumar bons empregos – e não depender mais do Bolsa Família.
Logo, não se pode medir o programa pelo número de famílias beneficiadas, mas pelo aproveitamento escolar das crianças.
Há falhas aqui. A freqüência não é cobrada sistematicamente, muito menos o progresso escolar dos meninos e meninas. Alguns dizem: não faz sentido fazer essa avaliação porque as escolas são ruins. É verdade, mas qual é a ideia? Deixar tudo por isso mesmo?
É uma distorção muito comum. Os governos criam os programas, lançam o benefício e parece que está tudo resolvido. Sem avaliação regular, ocorre uma de duas situações: ou o programa não funciona para todos ou perde o sentido, a eficácia, e fica no orçamento por inércia. Uma boa reforma administrativa pegaria isso tudo. Mas reforma dá trabalho, tromba com interesses instalados, de modo que … fica por isso mesmo.
Já o pessoal da corrupção… A eficiência vai ficando para o lado do mal.
Um celular por preso
E por falar em ineficiência: uma revista no Presídio de São Leopoldo, RS, encontrou 119 celulares. Sabem quantos presos? 114, no regime semi-aberto.
Acharam também maconha, cocaína, crack, uma balança de precisão, claro, nove pistolas e, o melhor, um radiotransmissor na frequência da Brigada Militar.
E com tudo isso, como é que os presos não ficaram sabendo da revista? A ineficiência é geral.