A DIPLOMACIA DO ETANOL, BOM NEGÓCIO, MÁ IDÉIA

Lula no México, América Central e Caribe.
O equívoco
Do álcool

O presidente Lula foi e voltou com um discurso equivocado no seu tour pelo México e por países da América Central. Não admira que não tenha trazido nada de concreto.
Lula falou do etanol e dos biocombustíveis em geral, conversa que interessa a seus interlocutores, mas num sentido bem diferente daquele imaginado pelo presidente brasileiro.
Lula disse que o biocombustível e relações mais intensas com o Brasil e o Mercosul abrem caminho para aqueles países se livrarem de uma dupla dependência, do petróleo e da presença dominante dos Estados Unidos. E sugere, no caso do México, que este país deveria se aproximar mais do Sul e menos do Norte.
Paralelamente, fontes da diplomacia brasileira passam informações segundo as quais não tem sido possível ampliar tratados com o México dada a resistência deste país em negociar acordo de livre comércio com o Mercosul. Como se Brasil e Mercosul fossem pró-abertura comercial e o México oferecesse restrições.
Ora, é justamente o contrário.
O México é um país muito mais aberto que o Brasil e o Mercosul. Tem tarifas de importação mais baixas e, sobretudo, é a nação que mais assinou acordos de livre comércio (com os EUA, com a União Européia e com países da Ásia). Para entrar no Mercosul, o México teria que aceitar a Tarifa Externa Comum dos sul-americanos, que é maior do que a praticada pelos mexicanos por decisão própria e por força dos acordos comerciais que têm com o mundo. Isso traria duas consequências ruins para o México. Primeira, uma limitação na abertura comercial e, segunda, a opção por um fluxo de comércio que privilegiasse uma parte da América do Sul em vez dos grandes mercados dos EUA, Canadá, Europa, Ásia.
Não faz nenhum sentido.
O México tem mais de 80% de seu fluxo comercial com os EUA, situação criada pelo tratado de livre comércio com esse vizinho e com o Canadá (o Nafta). Isso permitiu aos mexicanos um enorme salto em seu comércio externo – as exportações aumentaram várias vezes antes mesmo do boom mundial iniciado em 2003 ? mas também criou uma dependência muito forte. No momento, por exemplo, o México sofre com a desaceleração da economia norte-americana. Mas os mexicanos estão procurando a diversificação na Europa e na Ásia, não numa suposta diplomacia de independência.
Fontes brasileiras também sustentam que o México resiste a uma redução de tarifas de importação para produtos agrícolas. Colocada diante do tema, a chanceler mexicana, Patrícia Espinosa, admitiu as ?sensibilidades?, eufemismo que os diplomatas usam para dificuldades no trato de certas temas. Mas lembrou que o Brasil tem ?sensibilidades? maiores na áreas de serviços e indústria. Ou seja, a negociação teria de ser abertura mexicana na agricultura por abertura brasileira naqueles outros dois setores, viés que a diplomacia brasileira deixa de lado.
Mas, voltando ao biocombustível e a América Central e Caribe, observe-se este ?detalhe?. Países dessa região têm acesso privilegiado ao mercado norte-americano por causa de acordos de livre comércio ou preferências e cotas concedidas pelo governo dos EUA. Vai daí que produtores brasileiros enviam seu álcool hidratado para plantas, por exemplo, em El Salvador e Jamaica, onde o transformam em álcool hidratado e exportam para onde?
Lógico, Estados Unidos.
Esse é o interesse deles e também dos fabricantes brasileiros. Querem desenvolver os biocombustíveis na América Central para vender no grande mercado dos EUA. Fabricantes brasileiros de têxteis também adotam a mesma estratégia ? transferir fábricas para países da região – para não perder o consumidor norte-americano.
Ou seja, a idéia de um acordo de livre comércio nas Américas sem os EUA (a Alca latina), considerada razoável pela diplomacia brasileira, só atrai mesmo Venezuela e Cuba, que, aliás, não querem saber do biocombustível.
Por outro lado, todo mundo sabe que a produção de biocombustível precisa aumentar muito, mas muito, para atender pequena parte do mercado mundial. O petróleo continua insubstituível por muito tempo.
Como disse o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, depois de ouvir Lula afirmar que os biocombustíveis são ?inexoráveis? e oferecem a maior chance de independência energética: tudo bem, mas também ajudaria muito se a Petrobrás explorasse petróleo por aqui.
Resumo da ópera: tirante Castro e Chávez, o pessoal gosta de biocombustível. Mas querer transformar isso numa diplomacia da resistência, do Sul-Sul, de pobres contra ricos e por aí vai, só deixa Lula falando, falando, falando…

Publicado em O Globo, 09 de agosto de 2007

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