A Voz do Brasil da última segunda, no noticiário da Câmara e do Senado, foi praticamente um programa eleitoral em defesa dos salários e vantagens dos servidores federais, estaduais e municipais. Parlamentares se repetiram na defesa de um argumento básico: os funcionários não podem ser culpados pelo rombo dos cofres públicos, causado, dizem, por maus governos, de modo que não podem pagar essa conta. Ou seja, nada de restrições a reajustes e vantagens salariais; nada de tetos de gastos com a folha; nada de corte nas novas contratações.
Vamos falar francamente: isso não tem pé nem cabeça. A questão não é saber se os funcionários são ou não culpados. Ou, dito de outro modo, é uma falácia argumentar que os funcionários não têm culpa do déficit fiscal. Não se trata aqui de responsabilidades individuais, de um crime cuja pena precise ser paga. Trata-se de um fato: a crise fiscal dos Estados decorre do explosivo aumento da folha salarial, decorrente de reajustes gerais e da concessão generosa de benefícios e vantagens para várias categorias.
A crise fiscal da União é mais ampla, digamos assim. Tem as pedaladas, os enormes gastos com subsídios e desonerações, a corrupção maior e mais espalhada – mas também tem um forte componente de gasto com a folha, especialmente de alguns setores privilegiados.
E se é assim, o controle das contas públicas só será efetivo se impuser um forte limite aos gastos com pessoal.
Não decorre daí que a enfermeira, o policial, o auditor, o agente administrativo, o professor – que cada um seja o grande culpado. Aliás, quero me dirigir não à categoria, mas às pessoas empregadas no setor público. Não se trata de campanha ou de perseguição quando se trata destes temas. Mas de simples bom senso para justamente reequilibrar e salvar, isso mesmo, salvar o setor público, de modo que possa prestar serviços corretos ao cidadão que o financia.
Do jeito que vai, daqui a pouco as administrações públicas terão uma única função: pagar os salários de seus funcionários.
Na Voz do Brasil da última segunda, nenhum parlamentar contestou a “tese da culpa”, mas não porque a maioria no Congresso a considere correta. Pelo que se conclui de conversas com deputados, senadores e pessoal do governo, a história é outra. Eles têm medo. Neste momento ao menos, ninguém quer enfrentar a força política do funcionalismo e de suas entidades sindicais.
Muito menos o presidente Michel Temer, que tem dado sinal verde a todos os projetos de aumentos salariais. Além disso, o governo recuou no projeto de lei que reduz e alonga a dívida dos governos estaduais com a União. A contrapartida desse enorme benefício seria a colocação de fortes limites à expansão da folha de pagamentos. Na mais recente negociação, essas restrições foram bastante amenizadas, de modo a permitir que mesmo Estados quebrados continuem pagando salários e benefícios acima do permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
O que tanto temem?
No caso do Executivo, greves e outras perturbações aos serviços neste momento da Olimpíada. No caso dos políticos em geral, a influência eleitoral do movimento do funcionalismo que, de fato, é muito forte.
Vai daí que não há debate. As lideranças do funcionalismo e políticos ligados batem o dia todo. Nisso, sim, são responsáveis. Os outros silenciam e vão aprovando mais reajustes e concessões a diversas categorias.
Como querem que a sociedade civil, os trabalhadores do setor privado (que ganham menos e têm menos vantagens) e os investidores tenham confiança que haverá um ajuste fiscal?
Dizem: tudo muda depois do impeachment.
O pessoal quer acreditar nisso, mas está desconfiando.
Nove apresentadores
E por falar em gastos com pessoal: a Voz do Brasil apresenta os noticiários do Executivo, Poder Judiciário, Câmara e Senado. Cada noticiário com dois locutores-apresentadores. No final, tem o “Um Minuto com o TCU”, com seu locutor.
Para quem milita em redações há 46 anos, pareceu espantoso: nove jornalistas-apresentadores para uma hora de programa!
Também não sabe
O diário La Tercera, de Santiago, publicou ontem três páginas sobre a crise brasileira, incluindo entrevista com Dilma.
Lá pelas tantas o jornalista pergunta sobre um braço do Petrolão no Chile: um ex–diretor internacional da OAS, Augusto Uzeda, disse que em 2013 a empreiteira colocou um avião à disposição de Marco Enríquez-Ominami, então candidato à presidência.
Dilma: “Não tenho a menor ideia”.
A entrevista, aliás, tem as perguntas corretas. Por exemplo: “O STF não teria barrado o impeachment se fosse inconstitucional?”
Dilma repete sempre que é tudo golpe.
La Tercera traz ainda uma reportagem bem equilibrada sobre o governo Temer e uma entrevista com a colunista política Eliane Cantanhêde.