A CRISE DA INFRA-ESTRUTURA

A precária infra-estrutura já afeta a produção e pode afetar mais.
É a infra-estrutura

Fala-se muito nos problemas que a infra-estrutura precária causa à atividade econômica. Eis um exemplo concreto: a fábrica da Fiat em Betim, Minas, funciona no sistema ?just in time?. As peças chegam à fábrica no momento em que serão utilizadas na linha de montagem. Com isso, eliminam-se os estoques, corta-se o custo, ganha-se eficiência.
Mas isso exige que os fornecedores façam entregas todos os dias e, não raro, mais de uma por dia. E se as vias de acesso à fábricas congestionam?
O presidente da Fiat da América Latina, o brasileiro Cledorvino Belini, está preocupado com isso, porque tudo lá está funcionando no limite. A fábrica de Betim trabalha em três turnos ? 24 horas em atividade ? não tem mais como ampliar significativamente a produção. Só com instalações ou fábricas novas. Mas e a infra-estrutura? As rodovias ali darão conta?
O fato é que a Fiat América Latina resolveu reativar uma fábrica na Argentina, em Córdoba, com investimentos de US$ 60 milhões e criação de mil empregos diretos. Vai produzir lá o Siena.
Na Argentina, executivos da Fiat informaram que o Siena não seria mais fabricado no Brasil. Belini disse que a produção será dividida entre os dois países.
Por que a Fiat não optou por construir uma fábrica nova no Brasil, já que o mercado interno está em forte expansão. Belini disse que a fábrica argentina está pronta e ociosa, pois havia sido desativada desde a última grande crise do país. Era mais fácil e mais barato reativá-la do que fazer uma nova no Brasil. Além disso, o Siena argentino será exportado ao dólar de lá, que é caro.
Tem lógica, mas o mercado principal é aqui. Se a infra-estrutura fosse mais adequada no Brasil, poderia ser mais eficaz ampliar as instalações de Betim ou construir ali por perto.
Além de estradas, Belini manifestou preocupação com o fornecimento de energia a partir de 2010 ? assim retomando o tema lançado pelo presidente da Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, na semana passada.
Agnelli disse que a Vale estava abandonando ou adiando projetos de maturação prevista a partir de 2013 porque não havia garantia de fornecimento de energia. Foi a primeira vez que o executivo colocou a questão em termos tão diretos.
Depois, é verdade, executivos da própria Vale e de outras empresas andaram amenizando a tese. Disseram que estavam suspensos apenas os investimentos que consomem muita energia, como a produção de alumínio.
O alerta de Agnelli tinha objetivo certo: as usinas do rio Madeira, cujo licenciamento ambiental está encrencado no Ibama. Justo na semana passada, terminava o prazo, digamos, informal, dado pela ministra Dilma Roussef para que o Ibama resolvesse a licença. A ministra é a comandante do PAC, e as usinas formam o principal conjunto de obras na área energética.
Quando falou do assunto, Agnelli deixou escapar: ?Nem o presidente Lula consegue licenciar Madeira?. Há um evidente equívoco aí: o licenciamento não pode ser atribuição do presidente da República, deve caber a uma agência independente, no caso, o Ibama.
Mas acontece que o governo está dividido entre ambientalistas e desenvolvimentistas. Estes entendem que os critérios do Ibama estão equivocados. Por isso, fazem pressão, que levou inclusive a demissões e mudanças no órgão do Ministério do Meio Ambiente. Eis, portanto, o sentido do comentário de Roger Agnelli: nem fortes pressões internas conseguem destravar as licenças.
E o fato é que passou a semana e as licenças não saíram, mantendo de pé as dúvidas quanto ao fornecimento de energia.
Cledorvino Belini, falando com o colunista pela rádio CBN, na última sexta, colocou o ponto de dúvida mais perto, 2010, mas também reduziu o peso da preocupação. Diante da pergunta ? a Fiat brasileira, no seu planejamento de médio prazo, está incluindo escassez de energia? ? respondeu que ainda não. Ainda confia na garantia do governo federal.
Essa garantia, porém, se baseia em projetos que ainda estão no ar ? como as usinas do Madeira. Além do problema da licença, o governo conta em construir as usinas em prazo recorde, quando a tradição no setor é de demorar bem mais que o previsto. O governo diz que tem um plano B ? usinas térmicas a gás ou carvão, usina nuclear e outras fontes.
Mas acontece que muitos fatores do Plano B também estão no ar. Não há garantia de fornecimento de gás, o carvão vai suscitar questionamento ambiental, idem para a usina nuclear.
Além disso, todo o sistema de licenciamento ambiental está travado. Por exemplo: mesmo que o Ibama conceda a licença prévia das usinas do Madeira, é praticamente certo que o Ministério Público vai tentar embargar tudo na justiça, com boa dose de chance.
Resumo da ópera: há razões substanciais para a dúvida em relação ao fornecimento de energia. Sobretudo porque a energia disponível hoje vem de projetos antigos e da sorte: as chuvas têm sido generosas e encheram os reservatórios das hidrelétricas.
Com isso, o país vai até 2010 sem problemas. Para depois disso, com a economia crescendo, vai precisar de oferta adicional, cuja garantia é precária.
Na verdade, o governo Lula, sob o comando da ministra Dilma, desmontou o modelo elétrico herdado de FHC e tratou de construir outro. Demorou, demorou, e não está funcionando. Os preços futuros de energia já estão subindo ? sinal de escassez ? e os novos projetos não deslancharam.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 04 de junho de 2007

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