A conta vai para o povo

Que tal um aumento de 15% na conta de luz a partir da semana que vem? Pois é o que os consumidores do Paraná deveriam pagar se o reajuste não tivesse sido cancelado pelo governador do Estado, Beto Richa. A rigor, ele não poderia fazer isso, mesmo sendo uma estatal-estadual a principal distribuidora de energia, a Copel. A empresa é pública, tem ações negociadas na Bovespa e o reajuste foi determinado pla Agência Nacional de Energia ELétrica, a Aneel, conforme a estrita regra do jogo.

Mas, sabe como é,  15% na conta de luz quando os manifestantes contra as tarifas de ônibus nem voltaram para casa? Conversa daqui e dali, todo mundo quebrou o galho. A Aneel não poderia revogar a nova tarifa, mas topou suspender seu “efeito financeiro”, eufemismo para cobrança. A empresa, cujas ações despencaram quando saiu essa notícia, garantiu ao mercado que será ressarcida de algum modo, não sabendo quando, nem como. 

Acontece que os custos da Copel efetivamente subiram – e não por culpa dela.  A inflação fez uma parte do estrago, mas o custo maior veio da compra de energia mais cara. Foi o seguinte: choveu pouco, os reservatórios das hidrelétricas ficaram em níveis muito baixos e Operador Nacional do Sistema, órgão federal que administra o setor, mandou ligar as usinas térmicas, movidas a carvão, diesel e gás, cujo produto é mais caro.

Em resumo, por causa da seca, a energia elétrica ficou mais cara no Brasil – e isso logo depois de a presidente Dilma ter feito a maior propaganda com a redução que havia imposto nas contas de luz. Deu a maior confusão, uma sucessão de prejuízos: as hidrelétricas não puderam gerar, mas tinham que entregar energia, por contrato; distribuidoras tiveram que pagar mais caro. A conta deveria ir para os consumidores, mas a presidente não queria. Assim, inicialmente, arrumaram um arranjo financeiro, com prejuizos para geradoras e distribuidoras, mas uma hora a conta deveria ser passada aos consumidores finais, empresas e residências.

Era agora. Além da Copel, nada menos que 17 distribuidoras, divididas por 13 estados, têm reajustes agendados no calendário oficial da Aneel para julho e agosto. (A Light, só em 7 de novembro). O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, estatal federal que planeja o setor, Mauricio Tomalsquim, disse que não há orientação do governo para suspender os aumentos tarifários. Ou seja, a Aneel continuaria a formalizar os reajustes.

Mas ninguém acredita que serão aplicados, ainda mais depois do precedente da Copel. Caímos assim em um caso clássico: tarifas congeladas por razões políticas, mas custos em alta por causa da inflação e de falhas do sistema. Se continuar assim, a consequência também é clássica: param os investimentos e o serviço piora.

Os governos – federal e estaduais – podem assumir parte da conta, deixando de recolher os impostos. O maior imposto na conta de luz é o ICMS, estadual. (Nada menos que 29% no Paraná, por exemplo).

Acontece que os governos também estão sob pressão popular para , numa ponta, aumentar gasto em transporte, educação e saúde, e na outra, reduzir impostos.

Muita gente acha que basta eliminar a corrupção e lucros excessivos das empresas para que todos os objetivos sejam alcançados. Infelizmente não é assim. Há corrupção, certamente, e deve haver gorduras em muitas tarifas de diversos setores, mas o problema maior é a falta de investimentos e de produtividade. Ou seja, é preciso colocar dinheiro novo em todo o setor de infraestrutura.

O governo federal e muitos estaduais decidiram-se pelas privatizações exatamente em busca de capital e eficiência. Mas é claro que o setor privado vai agora pensar muito antes de entrar em qualquer negócio, considerando a pressão popular e política contras as tarifas – a receita do setor.

Eis a difícil situação em que estamos nos metendo. As pessoas estão certas na sua bronca: pagam caro (nas tarifas e nos impostos) por serviços ruins. Não aconteceu por acaso, mas por anos de gestão pública ruim – com gastos elevados em custeio, pessoal e  previdência e muito baixos em investimentos, sem abertura de espaço para o investimento privado.

Acrescente a inflação que o governo federal deixou escapar e o problema, para ficar completo, só falta o festival de gastos que o Congresso está preparando. Derrubar tarifas é politicamente inevitável. Mas do jeito que está sendo feito, vai levar a mais déficit público, juros maiores, mais inflação e menos crescimento. Ou seja, a conta vai de novo para o povo.

 

Publicado em O Globo, 27/06/2013

Carlos Alberto Sardenberg

 

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