E TUDO SEM GOVERNO

De como o pessoal de Luís Eduardo Magalhães e tantas outras cidades tocam os negócios, apesar do governo

Conhecem a cidade de Luis Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia? Pois é um polo agropecuário e industrial de nível global. Ali se produz algodão, por exemplo, com a maior produtividade do mundo em plantio não irrigado.
Estive lá há duas semanas, período de colheita, em um momento ruim, por falta de chuvas. Há quebra de safra. Mas topei com muitos estrangeiros, executivos de vários países que estavam lá para negociar contratos de compra. Os produtores locais são conhecidos no mercado internacional pela pontualidade e rigor na entrega. Vai daí, conseguem contratos de longo prazo, o que minimiza os problemas de uma safra ruim.
E tudo sem governo, comenta o pessoal de lá. Foi assim mesmo que a região se desenvolveu, inclusive com a recuperação do algodão. Esse cultivo estava praticamente morto no Brasil, quando foi restabelecido por agricultores de Luis Eduardo e Rondonópolis, esta no Mato Grosso, com base em genética e tecnologia de ponta. Esses agricultores vieram principalmente do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Saindo do nada, ali desenvolveram o terreno e novas modalidades.
A cidade baiana ainda não é muito grande, mal passou dos 50 mil habitantes, mas sofre, na sua escala, os problemas de uma metrópole congestionada. Tem trânsito, falta infraestrutura na cidade e nas áreas produtivas.
Ou seja, a iniciativa privada toca os negócios, o governo não ajuda. Não faz nem deixa fazer. Ali, como em diversos outros polos dinâmicos, há empresas privadas dispostas a investir em rodovias, aeroporto, via fluvial e porto(no rio São Francisco). Mas dependem de concessões, que simplesmente não saem.
É exatamente igual à situação que encontrei recentemente em Foz de Iguaçu (PR), turismo, e São José dos Campos (SP), centro industrial de ponta. Projetos de aeroportos privados estão praticamente prontos, incluindo o financiamento, aguardando as decisões do governo federal. Pessoas envolvidas contam que há anos buscam autorização para fazer até mesmo simples obras paralelas, como a ampliação de estacionamentos, e topam com burocracias e má vontade dos funcionários do governo federal.
Em Luíz Eduardo, construíram um aeroporto assim, digamos, meio na marra, em propriedade particular. Está lá, novinho, mas não dá para replicar essa solução em cidades com necessidades maiores.
A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse, nesta semana, que o governo anunciará em agosto um grande programa de concessões de aeroportos, ferrovias, rodovias e usinas de eletricidade. É positivo, mas em termos. Será um anúncio de intenções, porque a partir daí se iniciará o processo que leva até a licitação e entrega das obras às empresas privadas.
É nisso que o governo se atrasa. E está aí uma das causas do baixo nível de crescimento do país, a falta de investimentos em infraestrutura. Não é uma coisa do outro mundo, há modelos já testados no Brasil e em outros países.
Se demora tanto, isso é um sinal de incompetência, mas também de restrições e resistências que partem da máquina governamental e dos políticos no poder. Alguns são contra as privatizações por razões ideológicas. Outros, a maioria, porque precisam de cargos nas estatais e na administração para nomear e contratar.
Difícil superar essa combinação.
(Em tempo: perguntei aos luiseduardenses se estavam confortáveis com o nome da cidade. Responderam: era pior, Mimoso do Oeste).
Duplo calote
O banco ou a empresa concede crédito ao cliente. Este não paga, o caso vai para a Justiça. Quanto o credor consegue recuperar no Brasil? Menos de 20% do dinheiro emprestado.
Na Inglaterra, o credor pega de volta quase 100%. Dirão: mas é um país desenvolvido, com um sistema judiciário tradicional. Pode ser, mas na Colômbia, aqui ao lado, na Coréia do Sul e Taiwan, o nível de recuperação é de quase 90%.
O dado consta da pesquisa ?Fazendo Negócios?, do Banco Mundial. Acrescentamos: na concessão do crédito, banco ou empresa recolhem impostos elevados, isso aqui no Brasil. Quando o devedor não paga, o credor tem que pedir ao governo a devolução do imposto já recolhido. Já perceberam. Se der tudo certo, o credor recebe parte do IR, no mínimo um ano depois de solicitado.
Ou seja, é um duplo calote.

Publicado em O Globo, 12 de julho de 2012

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