. –Pagamos impostos como ricos, recebemos serviços bem abaixo —
Milhões de trabalhadores brasileiros, com carteira assinada, pagam duas vezes pela assistência médica. Pagam impostos, com o que financiam o sistema público (SUS), e depois compram planos de saúde privados. São mais de 35 milhões de brasileiros pagando aqueles planos, o que é um bom indicador do grau de confiança (ou de desconfiança) no SUS.
Vale também para escolas. O trabalhador recolhe impostos para financiar a educação pública e acaba colocando seus filhos em escolas particulares.
Como os impostos são obrigatórios, as famílias, com freqüência, buscam os serviços públicos apenas porque não lhes sobra dinheiro para comprar os serviços privados.
Assim, que tal oferecer a opção? Se a pessoa aplica 200 reais ao mês em um plano de saúde, tem um desconto desses mesmos 200 nos impostos que paga, então perdendo o direito ao atendimento público. Idem para escolas.
Ou para aposentadorias? Do mesmo modo, a pessoa seria dispensada do pagamento do INSS se aplicasse o dinheiro em planos de aposentadoria privados.
Todos poderiam escolher e até se estabeleceria uma competição. Os governantes teriam de se esforçar para oferecer serviço público de qualidade, pois isso levaria as pessoas a pagarem mais impostos. E as companhias privadas teriam de provar que são capazes de oferecer coisa melhor pelo mesmo preço. (Naturalmente, o Estado teria de exercer o papel de regulador desses mercados privados).
Não seria este um bom tema para a campanha eleitoral?
Mas dificilmente aparecerá. As lideranças políticas, da esquerda à direita, no fundo acham que o brasileiro não sabe tomar conta de si mesmo. Acham, por exemplo, que, não havendo a aposentadoria pública e obrigatória, o cidadão acabaria se esquecendo de fazer sua poupança e daria problemas ao governo na velhice. (Mas, na China, por exemplo, a poupança das famílias é extremamente elevada porque não há aposentadoria pública ? e o comunismo é lá, não é mesmo?)
No geral, as lideranças brasileiras discutem sobre como gastar o dinheiro dos impostos, não sobre como reduzi-los. Na última terça-feira, por exemplo, o presidente Lula fez uma defesa enfática da elevada carga tributária brasileira, pois, em sua opinião, Estado que arrecada pouco não faz nada.
Reparem: o dinheiro que vai para o governo sai do bolso das pessoas e do caixa das empresas. Se parte disso não fosse para o governo, pois algum Estado sempre será inevitável, o que as pessoas e empresas fariam com esses recursos? Consumiriam, investiriam, fariam poupança, cuidariam de sua vida e de seus negócios, gerariam mercado e empregos.
Para Lula, porém, só o Estado é capaz de cuidar disso e só há bons serviços sociais onde a carga tributária é elevada. Deveria estar pensando nos países europeus ricos e velhos, que de fato pagam impostos pesados.
Mas são países que já enriqueceram, por isso podem pagar mais, e, mais importante, oferecem serviços de elevada qualidade.
O Brasil, país jovem e de renda média, não pode pagar imposto de rico e velho. Ou seja, a carga tributária brasileira, comparada à dos países emergentes parecidos, é absurdamente elevada.
Considerem, por exemplo, a carga sobre um salário de R$ 2 mil mensais, para um trabalhador solteiro, com carteira assinada. Levando em conta apenas os impostos de renda e seguridade social, a empresa recolhe 20% de INSS e mais 7,8%, assim divididos: 2,5% por conta de Sistema S (Senai, Sesc, etc.) 2,5% para o salário-educação 2% de contribuição para acidentes e doenças do trabalho (RAT) 0,6% para o Sebrae e 0,2% para o Incra (sim, é isso mesmo que o senhor e a senhora estão pensando, a folha de salários financia a reforma agrária).
Portanto, a empresa paga R$ 2 mil, mais R$ 440 para o INSS e mais R$ 156 para o Sistema S, no total de R$ 2.596.
Já o trabalhador desconta direto no contra-cheque mais 11% para o INSS e o imposto de renda, conforme a tabela progressiva. No caso, R$ 2 mil menos R$ 21 de IR e R$ 220 de INSS, ficando com R$ 1.759.
Tudo somado e subtraído, o governo leva nada menos que R$ 837 em cima de um salário de R$ 2 mil. Ou, quase 33% do total pago pela empresa.
Na Alemanha e na França, a carga chega a 50%. Mas na Coréia do Sul, que ficou rica nas últimas décadas, não passa de 20%. Na Austrália, no Japão e nos EUA, é menos de 30%. E não consta que os serviços públicos lá sejam piores que os nossos.
Pagamos impostos como europeus ricos e temos serviços como … escolham a comparação.
É o resultado do sistema que não deixa as pessoas escolherem.
Publicado em O Globo, 03 de junho de 2010