Com a nota da Fitch, o Brasil tem agora grau de investimento por duas das três principais agências de classificação de risco. A terceira é só questão de tempo. E com isso, o país completa uma etapa: a conquista da estabilidade macroeconômica.
É o triunfo da ortodoxia econômica e da manutenção de uma mesma política por 15 anos, desde a introdução da URV, em 1993. Uma política que, claro, teve alterações, algumas dramáticas, mas manteve o norte. Para recordar: no início de 1999, logo depois de assumir a presidência do Banco Central, em meio a uma aguda crise cambial, perguntou-se a Armínio Fraga qual seria o objetivo de sua política. E ele: obter o grau de investimento, hoje comemorado pelo presidente Lula, que toma como sua uma idéia que recusava até antes da camapnha de 2002.
A classificação não depende de um ponto exclusivo, mas do conjunto da obra. Avalia-se isso em três quesitos: inflação baixa e controlada, no caso com regime de metas e BC independente contas públicas ordenadas, com endividamento em queda e contas externas não vulneráveis a choques nos mercados internacionais, com câmbio flutuante.
O quarto quesito é político: um consenso nacional ou ao menos uma ampla maioria em torno dessas políticas macroeconômicas. Este último se conquistou com a perseverança com que o governo Lula manteve, e até avançou em alguns pontos, a política herdada do Real.
As duas agências que elevaram a classificação brasileira (Standard&Poors em abril e a Fitch, semana passada) referiram-se ao pragmatismo da política econômica brasileira, em oposição ao que seria uma postura ideológica. O pragmatismo quer dizer o seguinte: não importa o partido, se de direita ou de esquerda, a economia deve funcionar segundo regras universais, essas que o Brasil passou a respeitar.
As agências destacam ainda como um ponto essencial, a liberdade e a independência conferida ao Banco Central para operar o regime de metas de inflação. (A liberdade do BC de elevar os juros sempre que considerar necessário para bloquear a alta de preços). Trata-se de regime aplicado em quase todo o mundo.
O Brasil tornou-se um país normal no respeito aos fundamentos da economia capitalista moderna.
Reparem o atual debate em torno da ?crise inflacionária? ? estamos discutindo se a inflação será de 5% ou 5,5% neste ano. É um debate de país estável.
Temos um problema nas contas externas, que estão voltando ao déficit. Mas é muito menor o risco de um déficit de US$ 30 bilhões neste ano, quando se consideram as exportações de US$ 180 bilhões/ano, Investimentos Externos Diretos de 35 bilhões e reservas de quase US$ 200 bilhões. Financiável, não é mesmo?
Não que não sejam problemas, mas são dificuldades normais de um país estável, muito diferente daquelas crises agudas em que o dólar disparava e levava dívida e inflação para as alturas no curtíssimo prazo. Hoje, aliás, se o real se desvalorizar e o dólar disparar, o governo brasileiro ganha dinheiro. A dívida pública externa é inferior a US$ 70 bilhões, contra reservas de US$ 200 bilhões. O governo é credor em dólares. É outro nível, o de grau de investimento e de novo o triunfo da ortodoxia.
O que falta? Mais ortodoxia.
O principal objetivo agora é elevar a capacidade de crescimento, o que pode e deve ser feito com duas linhas de política: diminuir o peso do Estado e abrir espaço para um surto de investimento privado.
O maior problema é um setor público que arrecada impostos demais, gasta muito e gasta mal. É o que dizem as agências, quando reiteram a necessidade de mais ajuste fiscal.
No Brasil, a dívida bruta do setor público é de 67% do PIB – e não deveria passar dos 40%, nível máximo dos países emergentes mais avançados no grau de investimento.
O gasto público com Previdência alcança no Brasil os 13% do PIB, sendo de 6%, no máximo, nos países emergentes que crescem mais. E, por tudo isso, a carga tributária brasileira, de 37% do PIB, é um absurdo de alta para países de renda média. Deveria ser de no máximo 25%.
Vai daí que os investimentos são baixos (16% do PIB por conta do setor privado, mais 1,5% do setor público). Na América Latina, onde os países investem pouco, a média é de 22%. Os países asiáticos poupam e investem na casa dos 30% do PIB e a China, sempre a China, mais de 40%.
Vai daí que os juros reais são mais do que o dobro do que nos países emergentes que mais crescem.
Ou seja, depois desses anos todos de reformas e implementação de uma sólida política econômica, sobrou esse subproduto: um setor público que não cabe no país, que é pouco eficiente e gera distorções.
Por falar em ajuste fiscal, o Fundo Soberano definido na última sexta pelo ministro Mantega não tem nada a mais ver com a primeira versão anunciada pelo mesmo ministro e que havia sido bombardeada fora e dentro do governo.
Foi avanço. O Fundo não vai mais comprar dólares. Outro avanço: o governo vai aumentar o superávit primário, de 3,8% do PIB, meta formal, para 4,3%, sendo que esse 0,5 ponto a mais (R$ 13 bilhões) vai para o Fundo.
É bom. Significa que o governo não vai gastar o excesso de arrecadação. Portanto, é um ajuste fiscal, um não-gasto.
Agora, o correto seria simplesmente utilizar esse adicional para pagar juros e matar dívida, que é o que se faz com o superávit primário ?oficial?.
Mas, não. Para salvar a cara do ministro, defensor do Fundo, o 0,5% adicional precisa ir para o Fundo, que o investirá. No que?
Se for em títulos da dívida pública, fica no zero a zero. O Tesouro emite títulos e o Fundo, que pertence ao Tesouro, compra os títulos. É meio confuso ? para que simplificar, não é mesmo? ? mas, enfim, não aumenta a dívida.
Agora, se os gestores do Fundo saírem pelo mercado buscando aplicações mais rentáveis, sei não…
Publicado em O Estado de S.Paulo, 02 de junho de 2008