Por que não copiamos o programa de privatização dos EUA?. Privatizar para o social
Há uma onda de privatização nos Estados Unidos. Prefeituras e governos estaduais estão ?vendendo? estradas, portos, aeroportos, estacionamentos, sistemas de água e esgoto e até mesmo as loterias. O maior negócio já realizado foi a concessão de uma rodovia no estado de Indiana, que saiu por US$ 3,8 bilhões, valor pago na frente por um consórcio de duas empresas, uma norte-americana (Macquarie) e outra espanhola (a empreiteira Cintra). Trata-se de uma concessão de 75 anos. Esse mesmo grupo havia arrendado um sistema de pontes e viadutos em Chicago por US$ 1,8 bilhão.
Os negócios em andamento podem chegar a cifras astronômicas. Segundo cálculos da revista Business Week, prefeituras e governos estaduais podem embolsar nada menos que US$ 100 bilhões nos próximos dois anos, contra apenas US$ 7 bilhões obtidos nos últimos dois anos.
É curioso. Como é que a privatização dos serviços públicos chega só agora nos Estados Unidos? Mais ainda: como é que essa onda aparece nos EUA, a terra do capitalismo liberal, só depois de ter passado pela Europa, mais propensa à social democracia e ao estatismo?
Uma primeira reposta está no modo de gestão pública nos Estados Unidos. É comum que prefeituras contratem executivos, profissionais de mercado, para a administração. O prefeito, político eleito, define as linhas de ação, mas a gestão é profissional. E mesmo quando não há gerentes de fora, a administração pública, com frequência, procura seguir as regras da gestão privada.
No limite, órgãos públicos atuam como empresas privadas. Eis um exemplo. Na Pensilvânia, o governo abriu licitação para arrendar a principal rodovia do Estado. Diversas companhias privadas apresentaram suas propostas, como esperado. Mas também entrou na licitação a autarquia estadual encarregada da gestão das estradas, que vem a ser a atual administradora da rodovia. É como se, aqui no Brasil, o Departamento Estadual de Estradas e Rodagem entrasse na licitação feita pelo próprio governo.
Na Pensilvânia, os executivos da autarquia reclamaram da privatização, dizendo que poderiam gerir a estrada com a mesma eficiência do setor privado e com mais vantagens para a população. Ok, entrem na licitação, foi a resposta.
Além dessa gestão pública mais eficiente e mais aberta, outro fator que atrasou, digamos assim, a onda de privatização foi a ampla oferta de financiamento para prefeituras e governos estaduais. Dadas as finanças equilibradas, as entidades da administração pública não tinham dificuldade em levantar dinheiro no mercado privado com a colocação de bônus.
Essa situação está mudando. Prefeituras e governos, endividados, enfrentam um forte crescimento nas despesas. Primeiro, a própria infra-estrutura, construída há 15, 20 anos, precisa de obras de conservação e/ou ampliação. Segundo, crescem os gastos sociais, especialmente com saúde e aposentadorias.
Como o endividamento público já é elevado, a alternativa para aumentar a receita é uma muita conhecida entre nós, a elevação de impostos, taxas e contribuições. Nessa linha, o governo da Pensilvânia discutiu um programa de aumento de impostos para financiar obras de manutenção em seis mil pontes estaduais.
Depois dos debates, porém, trocou essa idéia pelo arrendamento da principal rodovia do estado. Na mesma Pensilvânia, um candidato a prefeito de Filadélfia apresentou na campanha a proposta de privatizar o aeroporto internacional da cidade, para gastar os recursos assim obtidos com programas de combate à pobreza.
E aí está onde queríamos chegar. O caminho escolhido foi: privatizar para aumentar o gasto público sem elevar a carga tributária.
Mas, tal é a crítica, as tarifas e pedágios nos serviços privatizados tendem a subir, justamente para remunerar o administrador, que deu dinheiro adiantado à prefeitura ou governo do estado. Mas aí é diferente de imposto. Pedágios e tarifas são pagos exclusivamente pelos usuários diretos. Além disso, os contratos vinculam reajustes a melhorias no serviço. Nos EUA, algumas concessões de estradas prevêem até o tempo em que um buraco deve ser tapado. O não cumprimento das normas pode levar ao cancelamento da concessão.
Eis um programa para o Brasil: o governo concede ou arrenda e/ou vende aeroportos, portos, rodovias, usinas e o que mais tiver, junta todo o dinheiro obtido em um fundo, que financia programas sociais por muitos e muitos anos. Na boca de FHC, seria neoliberal. Na de Lula, passa como projeto social, fácil.
Publicado em O Globo, 07 de junho de 2007