CONFLITOS NO GOVERNO

. Entrando na briga Agosto foi bom para o governo Lula. Muitos números eliminaram dúvidas sobre o vigor da recuperação econômica. É forte e tem fôlego para mais de ano. Em circunstâncias normais, isso deveria abrir espaço para a sequência da política econômica, já que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, entregou o crescimento que prometera. Em vez disso, nota-se uma disputa pela medalha alcançada e pela agenda que se segue. Por exemplo: os ministros da Fazenda, do Planejamento, Guido Mantega, do Desenvolvimento, Luiz Furlan, e da Agricultura, Roberto Rodrigues, vêm batalhando há meses uma agenda cujo objetivo é melhorar o ambiente de negócios e abrir espaço para os investimentos privados. As iniciativas nessa direção incluem negociações com o FMI, reformas administrativas e projetos de emendas constitucionais e de legislação ordinária, cuja tramitação no Congresso conta com o esforço do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo. Outros ministros – como Dilma Roussef, de Minas e Energia, e Eunício, das Comunicações, também trabalham nesse esforço de atrair investimentos. Aí vem o presidente Lula e cria a Comissão de Incentivo aos Investimentos Produtivos Privados, entregando a presidência ao ministro da Casa Civil, José Dirceu. Ora, o que essa Comissão pode fazer que os outros ministros já não estão fazendo? Confusão, é a única resposta possível. Depois da última reforma ministerial, o ministro Dirceu ficou encarregado de fazer funcionar o governo, isto é, botar a máquina administrativa para caminhar numa determinada direção. Não é um serviço fácil, dada a quantidade de linhas e tendências diferentes – não raro hostis – que se abrigam no governo Lula. Por exemplo: há uma óbvia e forte disputa em torno da questão ambiental. Diversos ministros estão literalmente desesperados com a capacidade do pessoal da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, de brecar investimentos. Em alguns estados, a coisa degringola em conflito político, como no Maranhão, onde o Ibama se dedica a bloquear iniciativas apoiadas pela família Sarney e pelo governo estadual. E isso parou um grande projeto da Vale do Rio Doce, em associação com desconfiados sócios chineses. Ouvem-se queixas como essa de diversos ministros e funcionários do governo. Eis aí um problema para o gerente Dirceu. E o que faz ele? Arranja uma comissão para incentivar investimentos privados. Mas bastaria destravar a disputa ambiental intragoverno e muitos projetos seriam liberados. É verdade que, nisso, a ação de Dirceu esbarra no tipo de liderança do presidente Lula. Ele evita ao máximo as situações em que tem de desempatar a briga. O caso do salário mínimo foi típico. Lula gastou mais de dois meses e centenas de horas de reunião com diversos ministros e liderança políticas, para tentar o impossível, um número de consenso. Mas, dirão o leitor e a leitora, afinal o presidente decidiu e cravou os 260 reais, valor fixado pela equipe econômica. Desempatou, portanto. É verdade, mas há um detalhe decisivo: havia prazo para resolver. A lei do mínimo não podia passar de maio. E não há prazo para disputas como essa em torno da questão ambiental. Boa parte do pessoal do Ibama gostaria de simplesmente vetar os projetos. Mas isso é muito radical. Há muitos empreendimentos que contam com a simpatia de vários outros ministros, não raro do próprio presidente. Resultado: engaveta-se tudo, não ata nem desata. E só vai resolver quando – e se – o presidente e seu gerente Dirceu conseguirem mudar o Ministério do Meio Ambiente. Mas como fazer isso se Lula não quer brigar com Marina Silva? Há um outro conflito evidente, entre a necessidade de se alargar a base governista e o projeto de poder do PT. Para governar, a administração Lula precisa de ampla base no Congresso, o que significa dividir o poder com os outros partidos e abrir canais de negociação com parte da oposição – aquela parte, por exemplo, que ajudou a aprovar as reformas e que concorda com a agenda da Fazenda. Mas o PT tem um projeto de poder de longo prazo, via ocupação do Estado. Encarnando esse projeto, Dirceu identifica um adversário frontal, o PSDB, e vai para o pau. Assim, enquanto os ministros Palocci, Rebelo e lideranças no Senado tentam negociar com tucanos, como o senador Tasso Jereissati, a aprovação de projetos importantes como as PPPs, outras lideranças petistas montam dossiês contra a família Jereissati. As relações governo/PMDB/PT seguem a mesma dinâmica. Uma parte do governo tentando montar uma sólida aliança e outras tendências, sobretudo nos Estados, tirando espaços do PMDB. E finalmente, há o conflito de base entre a ala que entende a difícil situação financeira do setor público – e que vê nos investimentos privados o instrumento para um novo salto no crescimento – e os setores que vêem toda empresa privada com desconfiança e querem alargar o poder e os controles do Estado, como é a mentalidade dominante nos Ministérios da Saúde, Cidades e Educação, entre outros. Nessa série de relações cruzadas, ministros frequentemente e queixam de que o ministro Dirceu, em vez de gerente da confusão, age como parte, entra na briga. E o presidente Lula deixa rolar, esperando que a solução saia das várias mesas que monta. Publicado em O Estato de S.Paulo, 06/09/2004

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