ELEIÇÕES, OS BANCOS E LULA

. Quem tem medo de Lula Oito importantes bancos mundiais de investimentos reavaliaram a economia brasileira na última semana. Quatro deles recomendaram que seus clientes vendessem parte dos títulos externos brasileiros que tinham em suas carteiras. Outros quatro recomendaram o contrário, que seus clientes mantivessem em suas carteiras uma quantidade de papéis brasileiros superior à média de mercado. Ou seja, que não vendessem nada e que comprassem se estivessem com volume pequeno. Portanto, analistas qualificados examinaram os mesmos fatos, o cenário econômico e político no Brasil, e chegaram a conclusões opostas. Como isso ocorreu? Tome-se o caso Lula. As instituições que recomendaram “vender Brasil” citaram incertezas para a política econômica do próximo ano, suscitadas pela ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas pesquisas. Em português direto: medo de um eventual governo Lula. Pode-se concluir daí que os bancos que recomendaram “comprar Brasil” não têm medo de Lula? Não é bem assim. O economista-chefe do ING Barings para América Latina, Larry Kohn, um dos que manteve a fé nos papéis brasileiros, explicou: “Lula não vai ganhar as eleições….”, disse ele, entre outros argumentos. Ou seja, também tem medo de Lula. Apenas acha que vai passar. Portanto, fica a pergunta: eles estão com medo de quê? O nome quase oficial da coisa é “descontinuidade de política econômica”, que não é simples de explicar. Se você não quer mudar uma coisa, isso deve significar que você está gostando dela. Mas há muitos aspectos da política econômica brasileira atual que geram críticas e/ou desconforto. Por exemplo: a dívida pública é elevada e há risco de que cresça mais; o déficit externo também é elevado; a taxa de juros permanece elevada; o país ainda não recuperou a capacidade de crescimento forte e sustentado. São fatos, não matéria de opinião. Essas dificuldades aparecem em todos os relatórios sobre o Brasil, sejam escritos aqui ou lá fora. E se é assim, como dizem Lula e seus colaboradores na área econômica, é evidente que está na hora de mudar (ou descontinuar) a política do governo FHC. Aí vem Lula, apresenta sua proposta de mudança, cresce nas pesquisas, e o pessoal fica com medo? Loucura? Personalidades contraditórias? Até pode ser, mas a psicanálise também ensina que você pode estar desconfortável em uma situação e mesmo assim preferir não mudar. Por medo do processo de mudança e/ou medo de que a situação posterior seja ainda mais dolorosa. Resumo da ópera: a ampla maioria dos analistas e dos participantes da cena econômica (empresários, trabalhadores, consumidores) entende que é preciso mexer alguma coisa na política econômica de modo a que o Brasil volte a crescer. A diferença começa quando se discute onde e como mexer. Há aspectos, por exemplo, que muita gente não quer alterar. Um deles, essencial: controle das contas públicas de modo a se produzir, por muitos anos ainda, superávit primário – receitas totais menos despesas de custeio e investimento, excetuadas portanto as despesas com pagamento de juros e principal da dívida. A idéia por trás disso é que tais superávits, constantes, levam à estabilidade e, depois, à redução da dívida pública. Outros dois aspectos muito apreciados: o regime de metas de inflação (que exige juros mais altos quando a inflação sobe) e o de câmbio flutuante. Também se considera importante a manutenção de relações amistosas com a comunidade financeira internacional, onde o governo e as empresas brasileiras buscam recursos na forma de investimentos diretos ou financiamentos. Todo mundo concorda que é preciso elevar as exportações, reduzir juros, voltar a crescer e distribuir renda. Tanto é unanimidade que todos os candidatos presidenciais, de algum modo, colocam isso como prioridades. Mas na medida em que avança o processo eleitoral, torna-se mais importante – para um público especial ao menos, o público que age na economia, seja no mundo financeiro ou no mundo real – saber como se atingirão aqueles objetivos. O lado ortodoxo, o centro que Lula está buscando, preza a estabilidade, que se assenta naquela combinação de política fiscal austera (de modo a produzir o superávit primário), regime de metas de inflação e câmbio flutuante e abertura à comunidade financeira internacional. O medo de Lula vem daí. O próprio candidato e alguns de seus colaboradores econômicos têm apresentado um discurso moderado, mas há pelo menos um documento importante que vai na direção contrária. Trata-se de um texto oficial, aprovado no XII Encontro Nacional do PT, em dezembro último, que apresenta diretrizes para o programa da candidatura Lula. É radical. Leva o título de “Ruptura Necessária” e propõe essa ruptura completa com o regime de FHC, considerado neoliberal, que atrasa o país, empobrece o povo e enriquece bancos e grandes grupos privados nacionais e estrangeiros. Seria necessário romper com um regime subordinado ao FMI e ao capital financeiro internacional. Não se trata de descontinuar a política econômica, mas virá-la de ponta-cabeça. Os bancos mundiais de investimento são justamente esse capital financeiro internacional. Seria natural, portanto, que se preocupassem com a ascensão de um partido que os considera culpados dos problemas nacionais. Inversamente, Lula e o PT não teriam que se preocupar com os relatórios desses bancos, coisa de “um cidadão qualquer” ou de “especuladores” e “aventureiros”, como disse o candidato, numa primeira manifestação, na última sexta-feira pela manhã. Mais tarde, porém, percebeu-se uma mudança de tom. O presidente do PT, José Dirceu, disse que os relatórios dos bancos causaram estrago ao país, não ao partido e seu candidato, pois subiram o risco Brasil e os juros internacional pagos pelo governo e por empresas brasileiras. Está certo. E Lula disse que o investidor estrangeiro virá ao Brasil sempre que aqui encontrar boas condições, infraestrutura, mão-de-obra qualificada, etc.. Também chamou a atenção para o fato de o presidente do ABN Banco Real, Fabio Barbosa, ter criticado a avaliação do ABN/Nova York, um dos quatro bancos que recomendaram vender Brasil. De modo que o episódio revela as visões diferentes que o PT oferece em consequência da tensão resultante da necessidade de atender suas esquerdas e, ao mesmo tempo, caminhar para o centro. Eis a conclusão: não têm medo de Lula os bancos e todos os demais que acham que o PT moderado vai prevalecer já na campanha. Esse pessoal entende que o documento do XII Encontro não é o programa e que será amenizado ao longo do processo eleitoral. Esperam-se declarações do candidato e de seus representantes econômicos mostrando compromisso com a austeridade fiscal e o combate à inflação. Finalmente, argumenta-se que Lula pode se eleger sozinho, mas não pode governar sem o centro. E caminhar para o centro significa deixar de lado os radicais. A campanha de Lula mostra que ele percebeu isso muito claramente. Quem entende isso, não tem medo. Quem não conseguiu ver essa novidade, ou não acredita nela, tem medo. Publicado no Estado de S.Paulo, 06/05/2002

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