O PROGRAMA ECONÔMICO DO PT – 3

. O neonacional desenvolvimentismo de Lula (3) O documento “Um outro Brasil é possível”, apresentado pelo Instituto da Cidadania, de Luiz Inácio Lula da Silva, como uma proposta de programa econômico para a oposição, sustenta que a principal fragilidade do atual modelo brasileiro está na “vulnerabilidade externa”. Essa vulnerabilidade se exprime no déficit em conta corrente ou déficit nas transações externas, hoje em torno de US$ 27 bilhões/ano. Incluem-se aí comércio (exportações e importações) e diversos outros itens, como fretes e seguros vinculados ao comércio, pagamentos de lucros, dividendos, juros e royalties e gastos com viagens internacionais. Todos esses itens têm entrada e saída, claro. Nós gastamos na Disney, os americanos, no Rio. Empresas brasileiras no exterior remetem lucros para cá. Estrangeiras aqui fazem o contrário. Vendemos suco de laranja, compramos chips. Mas no balanço final saem mais dólares do que chegam, resultando naquele déficit de US$ 27 bilhões. Como se financia? Com a entrada de Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE), aplicações financeiras de investidores externos (em ações ou em juros) e novos empréstimos. A vulnerabilidade, portanto, está no seguinte: se os investidores externos, por alguma razão, desistem de aplicar no Brasil, o país quebra. Desse ponto, segue a lógica do documento do Instituto de Cidadania, decorrem os demais problemas. No essencial, a percepção da vulnerabilidade faz com que os investidores exijam juros maiores para comprar títulos brasileiros no mercado internacional ou aqui mesmo. Assim, sobem os juros internos – o que atrapalha o crescimento local e aumenta a dívida pública, pois sobre ela incide uma conta maior de juros. Assim, a proposta do documento é inverter essa ciranda. Reduzir a vulnerabilidade externa, o “risco Brasil” e, com isso, provocar uma queda dos juros externos e, em seguida, internos. Trata-se, portanto, de aumentar a entrada de dólares bons, os que vêm para ficar e não para especular. Como? O documento apresenta dois caminhos: reorientar o IDE; e, principalmente, estimular exportações e substituição de importações. Para os economistas de Lula, o IDE que entrou em abundância no governo FHC (chegou a US$ 30 bilhões no ano passado, contra média US$ 1 bilhão/ano antes do Real) não foi boa coisa, pois chegou para comprar estatais e investir em setores que não geram exportações. Não é bem assim. As privatizações ficaram com a menor parte do dinheiro. Boa parte foi para setores exportadores, como de automóveis. E mesmo quando não geram exportações diretamente, os investimentos externos contribuem para o crescimento e a modernização da economia, tornando-a, pois, mais competitiva inclusive para exportar. Exemplo: os pesados investimentos externos em telecomunicações. Mas os economistas do PT desaprovam a privatização e afirmam que o IDE deve ser orientado para setores exportadores ou de substituição de importação. Como determinar ao investidor estrangeiro onde pode e onde não pode colocar seus dólares? Podem-se colocar regras pelas quais o investimento externo só entra se autorizado pelo governo, que o encaminha para tais e tais setores. O problema é que esse tipo de restrição inibe os negócios, de modo que a política precisa de outros estímulos: créditos especiais, incentivos fiscais, custos baratos e proteção contra a competição. Exemplo: o Brasil gasta muito dinheiro com a importação de componentes microeletrônicos. Assim, ofereceria vantagens para a Intel vir fabricá-los aqui, podendo vendê-los com exclusividade para a indústria local (um mercado cativo, sem competição) desde que também exporte. É muito parecido com o modelo aplicado por Delfim Netto ao tempo do regime militar. Supõe uma pesada interferência do governo na economia, o que costuma ser fonte de ineficiência e corrupção. Pelo menos tem sido assim no mundo todo. Se o modelo no qual os burocratas decidem onde alocar bilhões de dólares funcionasse, a URSS ainda estaria por aí. Mas os economistas do PT confiam em que será diferente com os seus burocratas. Consideram-se tão eficientes quanto imunes à corrupção. De todo modo, resulta um modelo de restrição às importações (e, provavelmente, às viagens externas) assim como tudo pela exportação, de modo a gerar enormes superávits comerciais. O problema é que o documento do Instituto da Cidadania alinha, paralelamente, uma série de posições que se chocam com esse modelo exportador. Afirma, por exemplo, que é objetivo central do neonacional desenvolvimentismo orientar a economia (de novo o viés dirigista) para a produção de bens de consumo popular para o mercado interno. Também prevê incentivos e facilidades para as empresas que se empenhem nesses negócios. Então, como ficamos: a prioridade é exportar ou produzir para o mercado interno? O documento tenta conciliar os dois pontos, sugerindo que a empresa nacional (e menor) fica com o mercado interno e as multis com o “papel” de exportadoras e substituidoras de importações. Haverá dinheiro para financiar e subsidiar tudo isso? Outra contradição: se o modelo é exportador, um objetivo básico é, necessariamente, vender para os Estados Unidos. Basta observar a história recente: todos os países que cresceram fortemente via exportações, sem nenhuma exceção, fizeram isso vendendo para os Estados Unidos e sua economia de US$ 10 trilhões. O último deles é o México. Depois que entrou na associação de livre comércio com os Estados Unidos, suas exportações aumentaram mais de quatro vezes em poucos anos. Mas o documento “Um outro Brasil é . . .” é hostil aos Estados Unidos, e sustenta que é preciso resistir à Alca (Associação de Livre Comércio das Américas), vista como uma ação do imperialismo americano. Propõe “refundar”o Mercosul – o que seria isso? – e recomenda relações políticas e econômicas com Índia, China, África do Sul e Rússia, mercados que, somados, representam pouco quando comparados com o potencial comprador do consumidor americano. Aliás, todos aqueles países são concorrentes no Brasil. Têm mais ou menos as mesmas necessidades – capital, tecnologia, máquinas e equipamentos modernos – e as mesmas capacidades – produção de agrícolas, comodities, semimanufaturados e manufaturas como têxteis e calçados. A saída de todos eles é exportar para os países desenvolvidos, não entre si. Claro que o Brasil tem negócios com esses países, mas é pouca coisa em comparação com o que já tem e, sobretudo, com o que pode ter com os EUA e Europa. E para entrar nesse mercado dos ricos, o que se precisa é o contrário do que propõe o documento de Lula. É abertura econômica, abertura comercial. O modelo não fecha. Relaciona dois objetivos básicos conflitantes, prioridade tanto ao mercado interno quanto ao externo, e supõe que burocratas bem intencionados são capazes de dirigir uma economia tão complexa quando a brasileira. Corre o risco de criar uma economia tão fechada e tão amarrada, incapaz de crescer. Mas isso é tema de um próximo artigo. Publicado em O Estado de S.Paulo, 09/07/2001. Os dois primeiros artigos desta série foram publicados nas últimas duas segundas-feiras, na mesma página 2 do carderno de Economia do Estado. Também podem ser encontrados neste site, no Arquivo, item Política Econômica.

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