2007, MELHOR QUE A ENCOMENDA 2008?

.
Depois da bonança?

Então ficamos assim: 2007 saiu melhor que o esperado, mas em 2008 entramos em um mundo mais perigoso, aqui e lá fora.
Lá, a verdade é que ninguém sabe bem como vai se desenvolver a crise do crédito e, sobretudo, como as economias americana e global reagirão a ela.
Aqui, também não sabemos como serão os efeitos de uma eventual crise mundial. Também não sabemos como o governo Lula vai reagir à perda da CPMF, uma questão relevante. Mas sabemos que temos inflação no horizonte próximo.
Resumo antecipado da ópera: 2008 tanto pode ser bom, até um alívio, quanto pode ser um desastre.
Como tal conclusão não ajuda em nada, convém examinar os aspectos mais importantes da situação para verificar se sai alguma luz mais clara.
Começando pelo mais fácil, a nossa inflação. Não há dúvida quanto a ela. Estão em alta a inflação corrente e as expectativas. Há causas imediatas e episódicas ? como a quebra das safras do feijão ? mas também há problemas mais de fundo.
Preços de alimentos e energia estão em alta no mundo todo como resultado de um aumento no consumo (veja a coluna da semana passada, no arquivo on line do jornal ou em www.sardenberg.com.br, seção Política Econômica).
Além disso, a economia brasileira está aquecida, com a capacidade de produção sendo utilizada em níveis recordes, conforme alerta o Relatório de Inflação divulgado pelo Banco Central na última quinta-feira.
Tudo favorece o consumo: mais pessoas empregadas e recebendo salários, massa real de salários em alta (mais 6% sobre 2006), rendimento médio em alta e crediário em fortíssima expansão. O volume total de crédito concedido pelos bancos às pessoas e empresas deve saltar dos R$ 733 bilhões de dezembro do ano passado para algo como R$ 930 bilhões no final deste 2007. O crédito para as pessoas físicas e/ou consumidores está subindo mais de 100% sobre o ano passado.
Com juros em queda e prazos cada vez maiores, o consumidor cumpriu seu dever e foi às compras. O comércio varejista está vendendo, em volume, 10% a mais do que em 2007.
As empresas também fizeram sua parte e conseguiram abastecer o mercado interno, pelo menos até aqui. Além disso, estão aumentando seus investimentos (mais 12% sobre o ano passado), de modo que estão elevando sua capacidade de produção.
Mesmo, porém, com esse surto de investimento, a utilização da capacidade produtiva chegou a níveis recordes, indicando que ou os investimentos são insuficientes ou ainda não se completaram ou as duas coisas.
De todo modo, o BC apontou o problema. E por isso mesmo, suspendeu o processo de redução de juros.
Até aqui, parece tudo normal. Embora em alta, a inflação está abaixo do centro da meta, que é de 4,5% anuais, conforme a medida do IPCA, índice de preços ao consumidor do IBGE. Isso, em primeiro lugar, é resultado da credibilidade do regime de metas de inflação conduzido pelo Banco Central. O mercado, os consumidores, os empresários acreditam que o BC terá capacidade e independência para manter o controle e elevar os juros, se for necessário.
Será?
Outra pergunta sem resposta clara. O que se sabe é que muitas consultorias importantes acreditam que a taxa básica de juros, hoje em 11,25% ao ano, vai chegar ao final de 2008 em…. 11,25%. E com um crescimento econômico em torno dos 4,5%, um pouco menos do que se obterá neste ano.
Se for assim, estará mais que bom.
O que pode estragar?
O cenário pior começa com a possibilidade de uma inflação mais forte e mais resistente que a atual, o que exigiria do BC a elevação na taxa de juros e redução mais forte do consumo.
Continua com uma inflação mundial mais alta, globalizando o fenômeno. E se completa com a deterioração da crise do crédito, levando os Estados Unidos a uma recessão. Se isso levar à falência algum grande banco, é o cenário do inferno, porque aí teríamos recessão, inflação e quebradeira de empresas.
Não é provável tal desastre. Longe disso, mas o simples fato desse cenário ter entrado no painel das preocupações já é uma indicação de como mudou o panorama global. Os cinco anos esplendorosos, iniciados em 2003, certamente chegaram ao fim. O mais provável é que o mundo passe por um processo de ajuste, primeiro com a administração da crise do crédito e depois com um combate mais duro contra a inflação, isso no mundo todo. Resultado: crescimento menor no geral e muito menor nos EUA.
Se for assim, de novo, estará muito bom.
O Brasil certamente sofrerá os efeitos dessa situação internacional, na forma de menor crescimento. Começa que exportará menos para clientes que crescem menos.
Mas também é certo que, conquistada a estabilidade macroeconômica e superada a vulnerabilidade externa (as reservas logo serão maiores que a dívida externa total) o Brasil tem melhores condições de passar por essas dificuldades.
Desde que o governo não cometa duas bobagens. Uma, seria relaxar com a inflação. E o desastre total seria tirar a independência do Banco Central e/ou afastar Henrique Meirelles da presidência. Se precisar aumentar juros de novo, paciência.
A segunda besteira seria relaxar também no controle das contas públicas. Isso correria se o governo, em vez de reagir à perda da CPMF com forte contenção de gastos e, vá lá, um pouquinho de aumento de impostos, desandasse a gastar e a reduzir o pagamento de juros, permitindo o crescimento da dívida pública, depois de cinco anos de queda.
Para enfrentar eventuais turbulências externas, a economia local precisa, sim, de mais ortodoxia. Se, em cima disso, se acrescentar um amplo programa de privatizações na infra-estrutura, 2008 também pode sair melhor que a encomenda.

Publicado em O Estado de S.Paulo, 31 de dezembro de 2007

Deixe um comentário