2003, ANO MEDÍOCRE, AQUI E LÁ FORA

. As virtudes da paciência O crescimento será medíocre, a taxa de juros alta e o desemprego se manterá em 2003 Mesmo sem guerra, o prognóstico para 2003 não é lá essas coisas, nem aqui, nem no mundo. As diversas análises mostram um 2003 parecido com o ano passado, período caracterizado pela frustração das expectativas de recuperação. Olhando apenas os números , pode parecer que os Estados Unidos conseguiram voltar a crescer no ano passado, com o Produto Interno Bruto exibindo uma expansão de 2,4%, bem melhor que o medíocre 1,1% de 2001. Mas o resultado é duvidoso, porque a economia americana desacelerou fortemente no último trimestre de 2002. Cresceu apenas 0,7% (em termos anuais), contra o extraordinário número de 4% do terceiro trimestre, quando parecia que a recuperação era certa. Não era. O fraco resultado do final do ano lança sombras sobre 2003, sobretudo porque os diversos indicadores continuam oferecendo sinais divergentes. No trimestre anterior, por exemplo, os investimentos das empresas voltaram a crescer, mas os gastos dos consumidores, que vinham sustentando a expansão, desaceleraram. Recuperaram-se um pouco em janeiro, quando a atividade industrial registrou seu terceiro mês consecutivo de crescimento. Mas, seguindo no ritmo de uma no cravo outra na ferradura, o índice de confiança dos consumidores, medido pelo Conference Board (espécie de IBGE deles), caiu ao nível mais baixo de janeiro de 1993. E aí provavelmente já tem a ver com a perspectiva de guerra no Iraque, cujos efeitos são difíceis de avaliar. Se for uma guerra curta, com a rápida desintegração do regime de Sadam Hussein, o mais provável é que o preço do petróleo alcance um pico por poucas semanas, para cair abruptamente quando a situação se normalizar. Mais ou menos como ocorreu na Guerra do Golfo de 1991 e no recente ataque ao regime do Taliban, no Afeganistão. Neste último caso, os mercados financeiros, depois de atingirem as mínimas em setembro de 2001, logo após os atentados nos EUA, já haviam se recuperado inteiramente em março de 2002. Essa, hoje, é a expectativa dominante – guerra curta, de efeitos limitados, e até seguindo-se algum alívio e consequente animação com a retirada de cena do ditador do Iraque. O que acontece, porém, se Sadam resistir por vários meses, com a solidariedade de outros países árabes e, inversamente, com a fragmentação da coalizão liderada pelos Estados Unidos? O petróleo permanece caro por um bom tempo, isso causa mais inflação e menos crescimento pelo mundo desenvolvido e a perspectiva passa a ser de recessão para o final deste ano. É preciso considerar que a União Européia (UE) caminha bem mais lentamente que os Estados Unidos. Excetuando-se a Inglaterra, que pode crescer um pouco mais que 2% neste ano, os demais países da região mal alcançam 1% de expansão do PIB. E o governo da Alemanha, a maior economia da Europa, acaba de reduzir seu prognóstico para um crescimento de apenas 0,8% – isso considerando que não haverá guerra ou haverá uma guerra curta. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse no começo de fevereiro que essa também é a hipótese com a qual trabalha a equipe econômica brasileira. Nesse quadro, pelo prognóstico do Banco Central, o Brasil ainda conseguiria crescer 2,8%, mas o mercado não pensa assim. Fora do governo, com a mesma hipótese benigna sobre a guerra do Iraque, espera-se um crescimento de 2% em 2003, conforme se vê nos gráficos 2 e 3, que trazem a mediana das previsões de mais de 100 instituições financeiras e consultorias, tudo sistematizado pelo Banco Central no Relatório de Mercado, boletim Focus, de 3 de fevereiro último. Em qualquer caso, o prognóstico para 2003 é de um ano apenas um pouco melhor que o de 2002, isso no que se refere ao resultado final: um pouco mais de crescimento, um pouco menos de inflação. De um ponto de vista mais detalhado, porém, este pode ser um ano bem melhor: basta não ocorrer outra brutal desvalorização do real, que começou a R$ 2,31 por dólar e terminou a R$ 3,54, sendo essa a principal causa do salto na inflação e da deterioração dos demais itens do mercado financeiro. É altamente improvável outra desvalorização desse tamanho. A causa original desse fenômeno em 2002, além de uma economia internacional hostil, foi a expectativa de que o Brasil se encaminhava para um governo populista de esquerda. Ora, o governo de Luís Inácio Lula da Silva está longe disso. Nesse caso, e considerando a hipótese de guerra curta, o ano de 2002, para o Brasil, resume-se assim: há limites ao crescimento mais forte, mas há condições para uma boa política de arrumação. Os limites ao crescimento são impostos, de um lado, pela fraqueza da economia internacional e pelos eventuais perigos da guerra, e de outro, pelos estragos internos herdados do ano passado. Esses estragos – basicamente a inflação alta e a dívida pública elevada – teriam de ser atacados de qualquer modo. E mais ainda quando se considera o cenário externo: não há nada que o Brasil possa fazer a não ser fortalecer-se internamente. É para isso que o governo Lula montou sua política econômica clássica, com a definição de uma meta de inflação apertada para este ano (que já exigiu uma alta nos juros), e o anunciado aumento da meta de superávit primário (com os consequentes cortes no Orçamento da União). Não ajuda o crescimento, mas limpa o terreno para 2004. No lado político, o governo Lula também opera com êxito até aqui. Uma vez que o acordo com o PMDB está praticamente feito, Lula está muito perto de obter a maioria necessária no Congresso para encaminhar as reformas previdenciária e tributária, prioridades, corretas, anunciadas. Essas reformas, obviamente, também não garantem crescimento neste ano. Mas, realizadas, criam excelente condição para os anos seguintes. Tudo considerado, o crescimento modesto que se pode alcançar neste ano será, como em 2002, puxado pelo comércio externo, que começou muito bem – um superávit de US$ 1,16 bilhão, contra menos de US$ 200 milhões em janeiro de 2002. Nos doze meses encerrados em janeiro último, as exportações alcançaram US$ 61,2 bilhões, o melhor resultado desde 1994. Mais importante, todos os três itens de exportação – básicos, semi e manufaturados – cresceram. O país também aumentou suas vendas para todos os destinos, inclusive para Argentina. Eis aí, crescimento puxado pelo setor externo, enquanto se ataca inflação e dívida. Os riscos são de duas ordens. No exterior, uma guerra longa. Aqui dentro, a política. Por mais que se esteja no caminho correto, por uns bons meses o crescimento será medíocre, a taxa de juros alta e o desemprego não vai ceder. O risco é o governo Lula, pressionado, perder a paciência e abandonar a atual política. Mas pelo que se viu até aqui, o presidente e seus principais colaboradores parecem bem conscientes de que alternativa é muito pior. Publicado na revista Exame, edição 785, data de capa 12/02/2003

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