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–Destruindo oportunidades –
Durante mais de dez anos, a Petrobrás ficou sentada sobre reservas de silvinita, da qual se extrai o potássio, do qual se produzem fertilizantes para a agricultura. Uma boa questão é saber como e por que a Petrobrás ficou com essa mina, localizada no Amazonas, já que seu negócio é outro. E justamente por estar em outro ramo de atividade, a Petrobrás ficou boa parte desse tempo tentando vender a mina, até que encontrou comprador para 10% das reservas, a empresa canadense Falcon, que é do ramo.
É mais do que razoável supor que essa companhia fosse desembolsar US$ 150 milhões por reservas ainda não medidas, exigindo, pois, investimentos de exploração, para extrair o minério. Isso obviamente atende o interesse estratégico do país, pois dá função econômica a reservas deixadas sob a terra. Mas não.
A ministra Dilma Roussef mandou suspender o negócio. O argumento do governo: o Brasil importa 90% do potássio do consome e é preciso aumentar a produção nacional. Ora, mas o que ia fazer a companhia canadense? Dizem, no governo, que não havia garantia de que a companhia fosse mesmo iniciar a exploração e produção.
Suponhamos que esses gringos canadenses estivessem mesmo de má fé, com a intenção de comprar os direitos sobre as reservas para esterilizá-las e obrigar o Brasil a continuar importando. Ainda assim seria um ótimo negócio. Reparem: a Petrobrás estava vendendo direitos sobre apenas 10% da mina de silvinita. Poderia, então, embolsar os 150 milhões de dólares e aplicar onde? Elementar, não é mesmo? Na exploração dos outros 90%. A gente estaria usando o dinheiro dos gringos para financiar nossos interesses estratégicos.
Ou seja, o argumento do governo Lula não faz o menor sentido. A razão verdadeira é outra: o fato de a mina ter sido vendida para uma grande multinacional, como indicaram fontes do Planalto, citados na reportagem do Estado de sexta passada, um furo das repórteres Lu Aiko Otta e Fabíola Salvador. Posteriormente, outras fontes, também do governo, disseram, informalmente, que o problema não estava na multinacional, mas na falta de garantias de que a mina seria explorada.
Não cola. Primeiro, pela lógica, é óbvio que uma companhia do setor tem o interesse de expandir sua produção, especialmente num país que é um grande mercado e atualmente grande importador. Não para atender os interesses estratégicos do Brasil, claro, mas para ganhar dinheiro. Só que, com isso, entregaria o produto de que a agricultura local necessita.
E se estivesse com a má intenção de não produzir, acabaria fazendo burrice, ao entregar dinheiro para a Petrobrás dar andamento à exploração da outra parte.
Na verdade, esse episódio é mais um de uma sequência muito coerente: o governo Lula está em plena guinada para a esquerda nacionalista-estatizante. Parte do suposto de que tudo que é estratégico tem que ficar com o governo e suas estatais. Mais ainda, considera que o governo atual é que sabe quais são os interesses estratégicos do Brasil e como atendê-los.
Daí as seguidas manifestações de desconfiança com as empresas privadas em geral e as estrangeiras muito em particular.
Exagero nosso? Lembrem-se do discurso do presidente Lula aos estudantes da UNE, dizendo que o petróleo é do povo, não das empresas. Faz, propositadamente, uma confusão danada, pois o petróleo, pela lei, já pertence à União. O que está em discussão é o modo de explorá-lo e quanto o governo vai cobrar por isso.
Mas a confusão ajuda Lula o governo a levar o debate para a politização: nós, o povo, contra as multinacionais.
Mesmo a Petrobrás é alvo de desconfiança porque tem acionistas privados e, horror!, muitos estrangeiros, entre os quais, horror dos horrores!, muitos americanos.
Reclama o governo da autonomia que considera excessiva da Petrobrás. De fato, houve há algum tempo um esforço para profissionalizar a estatal, o que incluiu maior abertura de capital e colocação de papéis na bolsa de Wall Street e no novo mercado da Bolsa de Valores de S.Paulo. Essa posição exige da empresa prestação de contas aos acionistas privados, orçamentos e planos transparentes, fornecimento constante de informações ao mercado.
Isso exige da empresa um comportamento corporativo adequado aos interesses dos acionistas, inclusive do acionista controlador, o governo, que são dois: maiores lucros por ação e valorização dos papéis.
Estão vendo? ? dizem lá no governo. E os interesses estratégicos do país?
Ressalta aí o pensamento de esquerda, pelo qual os interesses das empresas e seus acionistas são contrários ao interesses do povo, tão bem representado pelo governo Lula.
É falso. Tomem a Petrobrás. Como ela conseguirá bastante dinheiro para seus acionistas? Produzindo e refinando petróleo. E isso não é do interesse do país?
Assim como seria do interesse do país que a companhia canadense trouxesse capital de fora, dinheiro novo, para iniciar uma produção de potássio que ainda não existe por aqui.
A reação do governo, nesse e nos outros casos, foi exatamente igual à dos americanos que se opuseram à compra da Budweiser pela multinacional Inbev, belgo-brasileira, dirigida pelos brasileiros do time de Jorge Paulo Lemann. ?Salvem a Bud desses gringos?, diziam os cartazes e sites na internet. Políticos prometeram fazer de tudo para impedir o negócio e Barack Obama disse que preferia ver a Bud em mãos americanas.
A diferença é que lá nos EUA vale mais o interesse dos acionistas. A venda saiu, entrou dinheiro novo na companhia americana, mais negócios, etc.
Já aqui, o pessoal anti-empresas está no governo e, sentindo-se mais seguro, avança no nacionalismo-estatizante.
Assim o Brasil perde oportunidade, justamente neste momento em que tanto precisa de novos investimentos.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 25 de agosto de 2005