TUDO CULPA DELES

Quem é o culpado pelos juros baixos lá fora? E pelos juros altos aqui?
Há um tsunami monetário. Seu tamanho: US$ 4,6 trilhões. Esse é o espantoso volume de dinheiro colocado na praça mundial, nos últimos três anos, pelos quatro principais bancos centrais do mundo rico (EUA, Zona do Euro, Inglaterra e Japão). Esse dinheiro foi emprestado para bancos ou utilizado na compra maciça de papéis ? muitos podres ? que vinham sendo carregados por bancos e grandes empresas. E, ainda por cima, a taxas de juros variando de 0 a 1% ao ano. Como a inflação deles tem corrido acima disso, os juros são negativos em várias aplicações.
Por que fazem isso?
Se considerarmos o discurso da presidente Dilma, trata-se de uma guerra cambial, hostil especialmente aos países emergentes, entre os quais o Brasil. A lógica: despejando ondas de dinheiro barato pelo mundo, aqueles bancos centrais desvalorizam suas moedas e, assim, valorizam as demais. Bancos, empresas, fundos, especuladores ou não, em busca de boas aplicações e bons negócios na economia real, levam esses dólares para os países emergentes, provocando choques financeiros. Dada a abundância de moeda americana, esta se desvaloriza e, em compensação, leva à valorização excessiva das moedas locais. Com isso, cai a competitividade das produções nacionais dos emergentes e melhora a dos outros, a deles, os ricos.
Guerra, pois.
Mas aqueles quatro BCs têm objetivos locais que fazem sentido. Ao emprestar US$ 1,3 trilhão para os bancos europeus, por três anos, a juros ridículos, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, foi globalmente aplaudido. Super-Mario salvou a Europa, se diz, ao dar liquidez aos bancos e garantir que o sistema financeiro não entrará em colapso.
O Federal Reserve, Fed, o BC dos EUA, sustenta que é preciso irrigar a economia para que os bancos financiem, barato, os investimentos das empresas e o consumo dos americanos, de modo a returbinar a economia. E a economia americana está voltando.
A presidente Dilma acha, porém, que eles deveriam fazer diferente. Deveriam parar de colocar dinheiro barato na praça e, em vez disso, estimular o crescimento via investimentos e subsídios do governo. Como ela diz, fazer política fiscal (de gastos públicos) pró-crescimento.
Mas como fariam isso governos que já estão enterrados em dívidas até o pescoço? Como diria ?La? Merkel, os europeus precisam antes arrumar a casa, fazer reformas.
Tudo considerado, o discurso da presidente Dilma ganha um contorno político. Seu governo toma medidas para segurar a entrada de dólares e para barrar importações, com o objetivo de desvalorizar o real. Mas isso é impopular ? por exemplo, o aumento de impostos de carros importados ? e, no geral, encarece o consumo local.
E a culpa é deles, dos ricos ? pelo que a presidente recupera a linha de política externa de Lula, pelo lado econômico. Emergentes contra ricos imperialistas.
É verdade que todos os emergentes estão se queixando da valorização de suas moedas e todos estão tentando meios de segurar o tsunami.
Mas por que a moeda brasileira valoriza mais que as outras? Entre outros motivos, um, essencial, é a nossa taxa de juros, muito mais alta que a dos demais emergentes.
Ora, nossa taxa de juros é alta por … culpa nossa. O custo Brasil é caro por culpa nossa. Como é difícil admitir isso e, mais difícil ainda, resolver, escolhe-se o caminho tortuoso: em vez de baixar os juros locais, elevar lá fora. Em vez de reduzir o custo Brasil, elevar o custo mundo.
Vamos acabar perdendo essa guerra.

Pescarias
Há duas grandes questões em debate no mundo: primeira, a pesca tem sido excessiva e não controlada em diversos lugares, o que leva a uma severa queda dos estoques segunda, o desenvolvimento dos processos de criação de peixes, especialmente os de alto mar. Grandes empresas de pesca estão entrando no negócio de criação ? e isso é um sinal claro, pois elas sabem mais do que ninguém o que fazem pelos mares e rios.
Se, quando pensou em suas novas funções, o ministro Marcelo Crivella lembrou-se de vara e anzol, então, mesmo de brincadeira, ele está mais por fora do que parece.
Por exemplo, há uma corrida tecnológica, neste momento, envolvendo universidades e empresas privadas, mundo afora, para ver quem consegue produzir comercialmente o atum, em jaulas instaladas em alto mar. O Brasil, de novo por fora. Na verdade, nem temos uma boa pesca, nem sequer cogitamos da criação.
Já o Ministério da Pesca vai bem. Criado em 1999, depois de seis anos como Secretaria Especial, já tem cerca de 600 funcionários, com um orçamento para este ano de R$ 160 milhões. Os cargos de direção ? chefe de gabinete, assessores, diretores e coordenadores ? são nada menos que 57, todos de livre nomeação do senhor ministro.
Reportagem de O Globo da última sexta mostrou que, de 2003 a 2009, a produção brasileira de pescado cresceu apenas 25%. As exportações, já pequenas, caíram para menos da metade. Pessoal do setor diz que faltam políticas públicas para o setor. Depois de dez anos de secretaria e ministério.
Merkel
Pode-se não gostar da política comandada pela chanceler alemã Angela Merkel na crise europeia. Mas é preciso admitir que age com extrema coerência e coragem.
Na semana passada, um dia antes do Parlamento alemão votar o novo pacote de ajuda à Grécia (no qual a Alemanha coloca a maior parte do dinheiro) saiu uma pesquisa mostrando que 62% dos eleitores eram contra esse projeto. 62%!
Pois Merkel foi ao Parlamento, disse que entendia a oposição e a desconfiança dos cidadãos alemães, mas defendeu a ajuda como essencial para a Europa, mesmo que isso não fosse imediatamente percebido. Ganhou a votação com ampla maioria, agregando inclusive parte da oposição.
Com atitudes assim, Merkel inclui-se entre os políticos de alto nível, os estadistas, aqueles que apontam a direção e tocam o barco. Bem diferente daqueles que morrem de medo de dizer algo que as pessoas possam não gostar. Ela não fica apenas lendo pesquisa, procura persuadir e convencer.

Publicado em O Estado de S. Paulo, 05 de março de 2012

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