TRÊS RESPOSTAS PARA A CRISE

. Crise e respostas

Foram três as respostas mais fortes à crise econômica e financeira mundial apresentadas na semana passada. E assim como a crise tem sua origem e seu núcleo nos Estados Unidos, as respostas saíram lá mesmo. Duas podem ser colocadas no grupo das reações racionais e estudadas: o pacote bipartidário montado por democratas e republicanos para dar dinheiro ao consumidor nos EUA, e a operação de resgate de seguradoras montada por bancos, autoridades monetárias e regulatórias.
A outra resposta foi classificada como emocional e precipitada por vários analistas do primeiro time. Foi justamente a primeira na ordem cronológica: a decisão do Federal Reserve, Fed, o banco central americano, de convocar reunião extraordinária na terça passada para aplicar um corte pesado na taxa básica de juros.
Parece contraditório. A ampla maioria dos analistas, operadores do mercado, dirigentes políticos e governantes entendia que o Fed deveria mesmo reduzir a taxa básica de juros para tentar conter a recessão que ameaça a economia americana e mundial. Por que criticaram quando o Fed fez isso?
Pela maneira. O Fed tem reunião regular marcada para amanhã. Do ponto de vista de política monetária, reduções de juros estimulam a atividade econômica em prazos de seis meses ou mais. Logo, trata-se de tentar melhorar as coisas para o segundo semestre deste ano.
Portanto, não serviria para nada antecipar a medida de uma semana. O Fed poderia esperar até o dia 29 para agir, de forma racional e ordenada. Em vez disso, tal é a crítica, o presidente do banco, Ben Bernanke, pareceu tomado pelo mesmo pânico que dominava os operadores naqueles dias.
Se a crítica é correta, o Fed teria cometido um tremendo equívoco.
Não é razoável pensar assim. Não que o Fed não se equivoque. Mas é praticamente impossível que cometa uma estupidez monumental.
Começa que Fed sempre tem mais informações do que o mercado e os analistas. Não apenas por causa de sua formidável equipe de economistas, mais de dois mil do primeiro time, com seus instrumentos de pesquisa, mas porque toda informação econômica produzida nos EUA e quase tudo de relevante que ocorre no mundo acaba sendo comunicado ao Fed. No detalhe: em seu livro A Era da Turbulência, Alan Greenspan conta que um belo dia de 1997 recebe telefonema do presidente do BC japonês dizendo que os bancos de Tóquio não estavam mais financiando bancos e empresas da Coréia. Era o sinal para crise coreana que eclodiria pouco depois.
Ora, se o Fed sabe mais que todo mundo se o seu presidente manifesta em público forte preocupação com a ameaça de recessão se reclama das lideranças políticas um programa de estímulo, e rápido e se, em seguida, faz algo que o Fed não fazia há mais de 20 anos (um corte extraordinário de 0,75 ponto na taxa básica de juros), então é sinal de que estava vendo uma coisa muito feia e que exigia resposta.
Por que, então, esperar uma semana, com os mercados agonizando e destruindo bilhões de dólares com a desvalorização das ações?
Além disso, o Fed pode ter chegado à conclusão de que a taxa básica de juros, que estava em 4,25% na última segunda, deveria ser reduzida rapidamente para algo como 2,5%, nível que seria o adequado para estimular consumo e investimentos. Isso exigiria reuniões extraordinárias de modo a acelerar a sequência de cortes.
E por falar nisso, o pessoal espera outro corte para a reunião regular de amanhã e quarta-feira. Só para lembrar: em 2001, então sob liderança de Greenspan, que também temia uma recessão, o Fed fez oito reuniões regulares e cinco extraordinárias. A taxa de juros começou o ano em 6% e terminou em 1,75%.

A vez dos políticos
Foi muito interessante a ação política bipartidária que levou à definição do plano de estímulo à economia nos EUA, anunciado na última quinta. Como o presidente Bush é republicano e o Congresso, desde as últimas eleições, tem maioria democrata, e como as medidas econômicas precisavam ser aprovadas pelo parlamento, a partir de proposta do Executivo, a coisa só poderia andar a tempo se houvesse entendimento entre os dois partidos rivais.
Parecia difícil, já que este é o ano das eleições presidenciais. Mas foi o que aconteceu. Pelo Partido Democrata e pelo Congresso, a negociação coube à deputada Nancy Pelosi, a presidente da Câmara e democrata da Califórnia. Pelo lado do governo, trabalhou o secretário do Tesouro, Henry Paulson. Pelos republicanos, o líder da minoria, deputado John Boehner.
Há diferenças entre os partidos na visão de política econômica. Os democratas privilegiam a redução (e devolução) de impostos para as pessoas físicas, muito especialmente das classes médias. Propõem também subsídios para os mais pobres, na forma de dinheiro e cestas básicas.
Já os republicanos insistem mais nos incentivos às empresas de forma a reduzir custos de investimento.
Acabou saindo um pacote com restituição de imposto às pessoas e reduções de impostos para as empresas.
Com o acordo para apressar a tramitação do projeto, acredita-se que as medidas possam entrar em vigor em fevereiro. E que as pessoas recebam os cheques daqui a 60 dias.
Agora, é preciso ver o que o consumidor fará com o dinheiro. A idéia do pacote é que o consumidor gaste tudo no shopping, de modo a revigorar uma demanda enfraquecida pela falta de crédito. Mas e se as pessoas, incertas quanto ao futuro e sem confiança, resolvam guardar o dinheiro?
Anos atrás, comentando teoricamente uma situação de recessão, deflação e consumidor apavorado, Bernanke disse que pode ser necessário jogar dinheiro de helicópteros.
Não será preciso nos EUA. O consumidor americano, até aqui pelo menos, sempre voltou ao shopping ao menor alívio.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 28 de janeiro de 2008

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