Sobre universidades e merenda

. Sobre universidades e merenda escolar

A triste realidade é que as três universidades públicas paulistas estão morrendo. Se continuar do jeito que vai, não demora muito e as escolas particulares se tornarão a excelência no ensino superior, num processo idêntico ao que ocorreu com o ensino primário e médio.
A situação hoje é a seguinte: falta dinheiro para a USP, Unesp e Unicamp. Mas os contribuintes paulistas já destinam muito dinheiro às universidades.
Professores e funcionários estão em greve por aumento de salário. No caso dos professores, a reivindicação é justa. Não tem cabimento que um professor titular com mestrado e doutorado ganhe menos de R$ 4 mil, em instituições que estão, ainda, entre as melhores da América Latina.
Olhemos agora o outro lado. Por lei, o governo paulista destina 9,57% de sua principal receita de impostos, do ICMS, para as três universidades. É dinheiro carimbado. E as universidades são autônomas, podem gastar o dinheiro como bem entenderem.
Estão gastando cada vez mais com pessoal, ativos e aposentados. Em 1998, dado mais recente disponível na home-page da USP, essa universidade recebeu do Tesouro R$ 842 milhões, e gastou com pessoal R$ 765 milhões (mais de 90% da principal e quase única fonte de receita).
A situação é parecida nas outras duas universidades. E isso quer dizer que são inviáveis, mesmo porque o gasto com pessoal tende a crescer por causa dos aposentados. Todo professor e funcionário concursado, ao entrar na universidade, ganha o direito de aposentadoria integral. Não poucos conseguem se aposentar aos 50 anos, passando em seguida para as universidades particulares.
Abre parêntesis: Trata-se de um subsídio. O Estado forma o professor e o entrega, num ponto bom da carreira, ao ensino privado. E ainda continua lhe pagando salário. Fecha parêntesis.
Obviamente, o peso dos aposentados na folha aumenta a cada ano. A receita pode aumentar, se a economia vai bem e as empresas pagam mais impostos, ou diminuir, quando há recessão.
Aliás, esse é um ponto levantado por lideranças dos professores. Querem recompor uma receita corroída pelos períodos de recessão ocorridos nos últimos dez anos. Não faz sentido. A recessão não empobreceu só as universidades, mas todo o setor público e a grande maioria dos contribuintes. Estes pagaram menos ICMS porque faturaram menos.
E se fizesse sentido recuperar receitas perdidas pela recessão, também faria sentido retirar ganhos obtidos em períodos de crescimento e aumento da arrecadação.
O ponto básico aqui é que o Estado já destina dinheiro demais ao ensino publico. Dez por cento da principal receita é excessivo, sob qualquer critério que se considere.
As universidades não têm direito de pedir mais dinheiro aos contribuintes paulistas. Mas os contribuintes têm o direito de exigir que as universidades devolvam à sociedade um serviço de qualidade, o que estão deixando de fazer.
Em resumo, é necessária uma imensa reforma. Há coisas óbvias a fazer. Por exemplo: criar fundos de pensão para tirar os aposentados da folha de salários. Lideranças universitárias temem, com razão, que se criem fundos sem ativos suficientes. Mas isso não é motivo para fugir do assunto. É possível encontrar saídas honestas e eficientes.
É preciso ganhar eficiência. Hoje, a relação aluno/professor ou aluno/funcionário é muito baixa. Ou seja, há professores e funcionários demais para o número de alunos. Também é pequeno, para os parâmetros internacionais, a relação entre alunos formados e número de professores e funcionários.
É preciso introduzir a meritocracia. Se um professor titular vier a ganhar um Prêmio Nobel, continuará com salário exatamente igual ao de outro professor titular que não pega no livro. Nessas situações de falsa igualdade, todos os salários vão para baixo.
É preciso descobrir outras formas de receita. A cobrança de mensalidade é rejeitada pelas lideranças universitárias. Mas não adianta apenas se opor à idéia. É preciso apresentar alternativas, que não sejam pedir mais dinheiro ao contribuinte.
Do jeito que vai, a única saída será pagar salários e aposentadorias cada vez menores para que seja possível pagar a todos. E, claro, gastar cada vez menos com ensino e pesquisa.
Falta-nos também isso, lideranças para promover uma profunda reforma universitária.
Merenda federal,
aluno municipal
O Ministério da Educação (MEC) paga a merenda escolar servida aos alunos de 72 mil escolas, espalhadas por 5.500 municípios. Isso desde 1995. Antes, o MEC escolhia o cardápio, comprava os alimentos, montava a merenda e a distribuía pelas escolas.
Era um contra-senso, claro. Basta imaginar o custo dessa imensa operação de comprar, armazenar e distribuir pelo país. Basta imaginar também a possibilidade de corrupção nesses grandes negócios.
Mandar o dinheiro para a prefeitura e para as escolas ? para que o pessoal local compre a merenda ali mesmo – elimina os custos da operação. Sobra mais dinheiro para a finalidade do programa, a refeição na mesa da escola.
Além disso, o pessoal local certamente compra mais barato, por conhecer os preços da região, e pode oferecer merenda mais adequada aos hábitos alimentares da região. O sistema também estimula as economias locais, enquanto a centralização é mercado para as grandes empresas.
Claro que pode haver corrupção na compra descentralizada. Mas, primeiro, certamente será menor e, segundo, mais fácil de apanhar. Convenhamos, ali numa pequena cidade, no bairro, na escola, todo mundo percebe logo quando alguém está roubando dinheiro público.
De todo modo, é preciso ter um sistema de fiscalização. E pelos mesmos motivos, a fiscalização descentralizada é mais eficiente e mais barata. Ou faria sentido o MEC despachar fiscais para as 72 mil escolas?
Por isso, a Medida Provisória que descentralizou a merenda criou um sistema de execução e fiscalização que envolve prefeituras (e câmaras de vereadores), governos estaduais (e assembléias), professores e pais de alunos, com prestação de contas aos Tribunais de Contas estaduais ou municipais.
Ocorre que a Associação dos Membros de Tribunais de Contas (sim, existe essa associação) entrou com ação do Supremo Tribunal Federal dizendo que, pela Constituição, o dinheiro da merenda é federal e assim deve ser fiscalizado pelo governo federal, no caso, pelo MEC.
Primeiro, é de pasmar que uma matéria dessa vá parar na Suprema Corte. Segundo, o argumento dos tribunais de contas estaduais é de doer. O dinheiro é federal, certamente, mas o aluno que come a merenda também seria federal?
O grande Franco Montoro ? aliás, pioneiro da descentralização da merenda, quando governador de São Paulo ? repetia pelo país afora: ninguém mora na União, todo mundo mora no município.
É simples assim: compra no município, come no município, fiscaliza no município. Mesmo porque se o governo federal entrega o dinheiro ao município ou à escola, o dinheiro foi municipalizado, não é mesmo?
Mas nada como imaginar uma situação concreta para evidenciar o absurdo: o fiscal do MEC pega um avião em Brasília, desce em Belém, pega um barco para uma cidade do interior e lá vai discutir com a diretora da escola o preço da manga.
Pode?

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