. Atraso Inútil
A inflação no Brasil roda na casa dos 4% ao ano, uma desaceleração notável em relação aos 12% verificados em 2003. Demonstra a eficácia do regime de metas de inflação praticado no país desde 1999. Em termos simples, esse regime, um desenvolvimento recente da teoria econômica, estabelece o seguinte: se a inflação está correndo abaixo da meta previamente fixada, o banco central reduz a taxa básica de juros; se está acima, eleva os juros. O objetivo principal é estabilidade de longo prazo, aquela situação em que a economia avança em velocidade de cruzeiro, crescendo de acordo com seu potencial, com inflação baixa e juros neutros, isto é, que não estimulam excessivamente, nem atrapalham investimentos e consumo.
É parte essencial desse modelo a independência (ou autonomia) do banco central, para que possa tomar decisões técnicas e não políticas. Exemplo de decisão política: reduzir juros para atender necessidades eleitorais do presidente de plantão. Países que adotaram o regime de metas de inflação colocaram tudo na lei, inclusive a independência ou autonomia do BC.
Funciona assim: os diretores do BC são indicados pelo Executivo e aprovados pelo parlamento; assumem com mandato fixo (quatro anos, por exemplo); os períodos não coincidem, de modo que se troca um diretor por ano e nunca toda a diretoria de uma só vez; os mandatos também não coincidem com o do presidente da República, de tal modo que este vai sempre assumir com um presidente do BC no cargo e nomear um outro no meio de seu período. Antes do término de seu mandato, um diretor só pode ser afastado em caso de falta grave ou de fracassos flagrantes com as metas de inflação.
De resto, a lei diz com todas as letras que o BC é autônomo para cumprir sua função.
No Brasil, o regime funciona na prática. A autonomia foi concedida pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e mantida por Lula. Mas ele pode demitir todo mundo a qualquer momento e nomear diretores que coloquem os juros onde for politicamente necessário.
Não faz isso por medo da reação dos mercados, que seria fatal: bolsa em queda, juros e dólar em alta, retirada de investimentos, venda de títulos do governo, tudo desequilibrando a economia.
Mas a ameaça de uma recaída populista enfraquece o regime de metas de inflação. Fica sempre aberta a possibilidade de uma intervenção política. Nessas circunstâncias, o BC precisa a todo momento demonstrar sua autonomia, o que o conduz a uma tendência mais conservadora. Ou seja, quando a autonomia está na lei, o BC pode firmar sua autoridade com juros mais baixos.
Por que não se aprova aqui essa legislação? Porque os políticos, e não apenas os do PT, ainda não se convenceram disso. Por razões ideológicas ou fisiológicas, políticos de diversas linhas ainda alimentam a esperança de que, um dia, poderão controlar ?esses tecnocratas do BC?. É bobagem. Não percebem que podem vir a controlar os tecnocratas, mas nunca os mercados, sobretudo nestes tempos de globalização. Repararam como, nestes dias de turbulência, os mercados reagem na mesma direção pelo mundo afora?
Com isso fica a situação em que o BC tem ?autonomia operacional?, mas não ?legal?, porque isso seria ?retirar o banco central do controle democrático da sociedade?, conforme disse o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini. E ainda: ?O BC deve estar submetido ao crivo do Executivo?.
Há vários equívocos aí. ?Controle democrático da sociedade? não é a mesma coisa que ?submissão ao crivo do Executivo?. Aliás, é quase o contrário. O correto é que tanto o Executivo quanto o BC (parte daquele) estejam sob controle do Legislativo. É assim, por exemplo, nos EUA, onde o presidente do BC está a toda hora prestando depoimentos no Congresso.
Além do mais, as metas a serem perseguidas pelo BC não são fixadas pelo próprio banco, mas pelo governo. No nosso caso, pelo Conselho Monetário Nacional, integrado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do BC.
Assim, se as regras de funcionamento do BC estão fixadas em lei democraticamente votada pelo Legislativo e se as metas são dadas pelo governo eleito pelo povo, está evidente que o banco central já está sob controle da sociedade, mesmo porque estreitamente vigiado pela imprensa e, não esquecer, pelos mercados, que votam todo dia. A autonomia formal, na lei, apenas completa esse quadro positivo.
Mas não, o PT não quer. E Alckmin não tocou no assunto em seu discurso de lançamento.
O país se atrasa nisso também. Publicado em O gLOBO, 15/junho/206