Sem vacina e sem auxílio
Carlos Alberto Sardenberg
O país se aproxima de um momento delicado e com expectativas contraditórias. De um lado, a pandemia está em clara aceleração e isso pode piorar com as aglomerações de Natal e fim de ano. De outro, há a esperança da vacina, a solução universal.
Essa situação se repete em diversos outros países, especialmente na Europa e Estados Unidos. E dificulta a tomada de decisões políticas e econômicas.
A segunda onda exige medidas restritivas – isolamento social, que alguns governos estão aplicando. Essas medidas, porém, são politicamente delicadas, neste momento que deveria ser de confraternização, e atrasam a recuperação econômica.
Por isso, bancos centrais pelo mundo afora e instituições como o FMI alertam os governos: que tenham cuidado na retirada dos estímulos monetários e fiscais. Tradução: que mantenham os juros a zero e, na medida do possível, mantenham os pacotes de apoio às empresas e pessoas, isso incluindo gastos públicos.
A ideia é manter a sociedade organizada e funcionando enquanto se aplica a vacinação. Faz sentido, não é mesmo?
Como isso está no Brasil?
O Banco Central está fazendo sua parte: juros no chão, zero. Já o governo federal não é confiável.
No nosso caso, o principal estímulo é o auxílio emergencial, que tem data marcada para terminar, no final deste mês. É óbvio que, em janeiro, nem a pandemia estará controlada, nem a economia estará funcionando bem. Nem em janeiro, nem nos meses seguintes.
E também, pelo jeito, não teremos tão já a vacinação em massa.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que é mais barato e mais eficiente investir na vacina do que no auxílio emergencial.
Verdade.
Ocorre que só o governador João Dória investiu efetivamente na vacina. Outros governos pelo mundo afora se movimentam há meses para pegar um bom lugar na fila das vacinas. O presidente Bolsonaro não apenas despreza a vacina – ao dizer que não vai tomá-la – e seu ministro da Saúde simplesmente não sabe o que está fazendo. Ora uma vacina não serve, ora serve, não vai comprar a vacina do Doria, depois ameaça confiscar.
Isso nos deixa num dilema. Se tiver sua eficácia aprovada, a CoronaVac pode ser aplicada em uma parte pequena da população. Doria diz que vai começar a aplicação por São Paulo e distribuir doses (que sobrarem) para outros estados e prefeituras. O ministro da Saúde diz que só o SUS pode vacinar – mas o SUS não tem as vacinas.
É verdade que campanhas de vacinação são nacionais, mas vá dizer isso aos moradores de São Paulo. Se o governo paulista e seu renomado Instituto Butantan alcançarem a vacina, registrada e aprovada, quem irá convencer a sociedade paulista que se deve entregar tudo para um governo federal sabidamente ineficiente?
Por isso, a Anvisa, controlada por Bolsonaro, pode tentar atrasar a liberação da CoronaVac, o que será um escândalo mundial. As pessoas morrendo aos milhares e a agência segura a vacina?
Ou seja, o Supremo Tribunal Federal que se prepare, Suas Excelências fariam bem se cancelassem férias.
De outro lado, com as contas públicas destruídas e com a necessidade de começar a colocá-las em ordem, a problema que se apresenta, lembrando do comentário do presidente do BC, é dramático: não temos vacina em escala nacional nem o governo tem o dinheiro para manter o auxílio emergencial.
Claro que a culpa não é só de Bolsonaro. O estrago nas contas públicas foi cuidadosamente aplicado pelos governos do PT, especialmente o Lula 2 e Dilma 1 e 2.
Mas também está evidente que o governo Bolsonaro foi desastroso na questão da pandemia, pouco produtivo na política econômica e simplesmente trapaceiro ao demitir Moro e abandonar o programa de campanha de combate à corrupção e à velha política. Não apenas abandonou, como se juntou à turma da corrupção. E mais ainda o aparelhamento do Estado para proteger os malfeitos de sua família.
A realidade social e política sempre se impõe. Ou seja, o governo federal vai correr atrás da vacina, vai acabar vacinando, mas no fim da fila mundial. Ou seja, a sociedade, as instituições têm que colocar mais pressão, pois a situação já seria difícil de ser conduzida por boas lideranças. Com a turma Bolsonaro, então…