Sem chance
Carlos Alberto Sardenberg
O mundo está ficando muito complexo para a limitadíssima capacidade de compreensão de Bolsonaro e sua turma. A disputa entre Estados Unidos e China vai muito além do comércio. Não é uma guerra fria do tipo EUA x URSS. É bem mais complicada porque as duas potências que lutam pela hegemonia – política, territorial, tecnológica e econômica – mantêm laços econômicos amplos e profundos.
A Apple faz quase todos os seus iPhones na China – e no momento em que todas as redes de celulares do mundo se preparam para o 5G tem aí uma gigante chinesa, a Huawei, muito avançada nessa tecnologia.
Trump quer banir a Huawei do 5G global e já convenceu a Inglaterra de Boris Johnson a seguir por esse caminho. Johnson não apenas vetou novos contratos com a Huawei, como deu prazo para que os operadores de celulares no país eliminem os componentes da companhia chinesa que já utilizam. As concorrentes da Huawei – Ericsson e Nokia – adoraram, mas as operadoras de celulares reclamaram. Disseram que precisam de pelo menos dez anos para substituir as partes Huawei e que esse procedimento atrasaria de alguns anos a instalação da rede 5G.
A Alemanha está observando – não baniu a Huawei e não deu sinais de que pretende fazê-lo – e toda a União Europeia está à espera.
Qual a alegação principal dos EUA? Segurança. Trump e muitos políticos dizem que, com a Huawei dominando o 5G, as informações do mundo todo estariam acessíveis ao governo chinês. Sendo uma ditadura, com respeito zero aos direitos humanos e às liberdades, há aí um bom argumento. Se o governo chinês controla e vigia seus cidadãos, por que não faria isso no mundo?
Há argumentos em sentido contrário. Os países têm como controlar o uso das redes celulares e apanhar eventuais abusos dos chineses.
Mas esta é, por ora, uma discussão ainda abstrata.
O Brasil terá de decidir em breve pela tecnologia do 5G. Bolsonaro já disse que a escolha será técnica e política. Se for técnica – considerando preço, qualidade, velocidade de instalação – dá Huawei. Se for política, dá as europeias, mais atrasadas.
Mas tem um sério agravante. A China é o principal cliente do Brasil. O maior destino de nossas exportações – agro, petróleo e minério de ferro – e a principal fonte de nossas importações. Há também um amplo leque de investimentos chineses no Brasil, de infraestrutura a financeiros.
Para Bolsonaro e seus seguidores, a coisa é simples: os chineses são comunistas e querem dominar o mundo; logo, estamos com os EUA. Acrescente aí um problema: o Brasil é o principal concorrente dos EUA na exportação de produtos agrícolas, inclusive e especialmente para o mercado chinês.
Mesmo uma diplomacia supercompetente teria dificuldades de se mover nesse ambiente. Imaginem com o Ernesto Araújo e Filipe Martins.
Podemos complicar ainda mais, com a questão ambiental. Para os bolsonaristas, isso de aquecimento global e desmatamento da Amazônia é coisa de comunistas locais e ONGs estrangeiras, pontas de lanças de países que querem dominar as riquezas amazônicas.
Só que o cuidado com o meio ambiente se tornou uma questão econômica e financeira. Países devastadores estarão fora do cenário.
Temos um ministro do meio ambiente que acha tudo isso uma bobagem. O vice Mourão, presidente do Conselho da Amazônia tem um pouco mais de bom senso. Diz que, diante da pressão internacional, é preciso apresentar resultados concretos, ou seja, reduzir o desmatamento e provar isso.
Ao mesmo tempo, diz que é um problema de comunicação, que o governo brasileiro perdeu a narrativa. Errado. Não perdeu a narrativa, está perdendo florestas.
E, finalmente, tem a pandemia, também incompreensível pelo bolsonarismo.
Diante disso, a recuperação econômica até parece a parte mais fácil. Afinal, trata-se de voltar ao controle fiscal e abrir espaço para o investimento privado.
Mas o governo Bolsonaro está pegando o gosto pelo gasto populista. Acrescente aí o Centrão, e também isso se complica.
Mais o Queiroz e dona Márcia, o gabinete do ódio desvendado, as fake news e os atos antidemocráticos cercados por diversos inquéritos, e está claro: não tem a menor chance de dar certo.