Salvando o mundo da recessão

O Fed não resgatou especuladores, está tentando evitar uma recessão. O Fed salva James Bond e o Exterminador

No turbilhão da semana passada, esta notícia passou quase sem ser notada. Traz, porém, uma bela ilustração de tudo que envolve a crise financeira, de modo que convém recuperá-la.
Deu no Financial Times, on line: a MGM pode ficar sem recursos para financiar o próximo filme de James Bond e o Exterminador do Futuro 4. Isso porque dois grandes bancos de investimento, o Goldman Sachs e o Deutsche Bank, que estavam tentando levantar até US$ 1 bilhão para financiar filmes para a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), retiraram o compromisso de atuar como subscritores da transação.
Os bancos não abandonaram o negócio, mas trocaram o compromisso formal de subscrever o financiamento pela declaração de que farão os “melhores esforços” para viabilizar a operação.
Fontes disseram que a MGM ainda não se preocupou com o tema porque a produção daqueles três filmes não estava prevista para início próximo. E espera a crise financeira passar.
A MGM, hoje, pertence a um consórcio formado por Texas Pacific Group, Providence Equity Partners, Sony e Comcast in 2004. O grupo comprou a companhia (e seus quatro mil títulos) por US$ 4,8 bilhões.
Pode-se ver a notícia de diversas maneiras. A primeira é óbvia: um exemplo de como a economia real pode ser abatida pela crise mundial de crédito. Bond e o Exterminador são boas apostas e não se trata de especulação. São produtos de ponta no ramo do entretenimento, uma poderosa indústria que movimenta negócios e empregos pelo mundo afora. Difícil perder dinheiro com esses filmes. Logo, não deveria faltar financiamento.
Mas poderia faltar por causa da crise de liquidez do mercado financeiro. Essa falta de liquidez, de outro lado, decorre do ambiente de desconfiança que afeta todos os participantes do mercado, de culpados a inocentes, de instituições sólidas a podres.
A crise começa com a certeza de que há créditos podres na praça ? de modo que bancos e investidores não vão receber de volta o que emprestaram e/ou aplicaram. Como não se sabe exatamente a extensão dos créditos podres, nem com quem estão, todos desconfiam de todos.
Assim, ninguém financia ninguém. Se a crise persistir, faltará dinheiro para James Bond e o Exterminador não por falta de confiança no sucesso dos filmes, mas por desconfiança em relação aos agentes financiadores. O que poderia ocorrer: o investidor entrega dinheiro para os bancos financiarem os filmes de repente, os bancos quebram e aí vai tudo para o buraco, tanto o dinheiro para os filmes quanto o dinheiro de eventuais especulações financeiras.
Eis um efeito perverso da crise financeira.
Mas pode-se encontrar na notícia um excelente exemplo do funcionamento positivo do mercado financeiro. Foram abundantes os comentários segundo os quais esse mercado estava pagando pelos pecados que cometeu, ao expandir o crédito de maneira exagerada, especulativa e imprudente.
É verdade que houve essa expansão notável do crédito, conforme novas modalidades que permitiram, de um lado, a multiplicação dos financiamentos e, de outro, a divisão do risco. Mas o crédito assim alavancado não ficou dançando no mercado financeiro.
Ao contrário, possibilitou os negócios do mundo real, de filmes a fábricas e construção de casas. Goldman Sachs e Deutsche estavam montando uma dessas operações modernas para a MGM.
Poderia ser, por exemplo, uma operação de venda antecipada dos direitos sobre os filmes. Em vez de tomar o dinheiro emprestado, a MGM, em sociedade com os dois bancos, participaria, como produtora, de um consórcio de investidores que comprariam direitos sobre o filme. Esses direitos seriam configurados em títulos que, de sua vez, poderiam ser negociados no mercado.
Ora, é muito melhor do que um simples empréstimo, que coloca um ônus sobre o tomador (a MGM) e um risco enorme sobre dois bancos emprestadores. Já aquela operação divide o risco e permite levantar muito mais dinheiro.
Troque filme por indústrias ou casa própria ? e a história é a mesma. De fato, o pessoal do mercado inventou modos de ampliar os créditos imobiliários, no início estimulados pelos juros de 1% ao ano e dinheiro farto oferecido pelo então presidente do Fed, o maestro Alan Greenspan.
Hoje se fala da farra do dinheiro fácil.
Mas a expansão do crédito movimentou a indústria de construção (aço, ferro, cimento, madeira, metais, telhas, fios elétricos, eletrônicos, móveis) e gerou milhões de empregos. E simplesmente impediu que os Estados Unidos, depois do furo da bolha da Internet e das telecomunicações e da crise dos balanços, mergulhasse na recessão e deflação.
Perguntaram a Greenspan, outro dia mesmo, se não se sentia responsável pela farra do crédito, por ter afrouxado a política monetária e permitido os excessos. Ele respondeu mais ou menos o seguinte: mas como poderíamos combater um excesso que não existia e poderia vir a existir lá na frente, enquanto a deflação e a recessão estavam na porta?
É a mesma coisa que pode dizer o atual presidente do Fed, Ben Bernanke, para explicar a mesma política: redução de juros (anunciada sexta-feira) e farta concessão de crédito. Não é para salvar especuladores, mas para impedir um desastre real.
Houve excessos e especulação? Claro. Mas não se pode deixar ocorrer uma recessão para punir esses supostos pecadores. Salva-se a economia da crise financeira, depois se trata de regular novamente o mercado. mesmo porque muitos já estão sendo punidos com enormes perdas. Também é falso dizer que todos os especuladores estão a salvo. Ainda aparecerão muitos corpos.
E segue o mundo.
Modestamente
Na coluna da semana passada, relacionamos aqui as três providências que poderiam ser tomadas para debelar a crise. Estava lá: 3) Os bancos centrais devem reduzir suas taxas de juros.
Bingo!
Publicado em O Estado de S.Paulo, 20 de agosto de 2007

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