SALÁRIO DO FUNCIONALISMO É GASTO, SIM

.   De graça, com o dinheiro dos outros     
Então ficamos assim: aumentar salário do funcionalismo não custa nada. Também a Bolsa de Família sai de graça para o governo.     
É o que se deduz das declarações do presidente Lula, na última quinta-feira, quando perguntado sobre gastos do governo com os diversos aumentos concedidos e a serem concedidos ao funcionalismo federal: ?É preciso parar com essa mania de achar que quando a gente dá um pouco de salário a gente está gastando?.     
É isso: se não está gastando, sai de graça.     
Mas é claro que é gasto. Tanto é que, no mesmo dia em que o presidente fazia mais aquela frase de campanha, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, observava: o governo não pode gastar mais que R$ 5 bilhões com os reajustes do funcionalismo, pois esse é o teto previsto no orçamento.     
O presidente está em busca dos votos do funcionários. E, na verdade, está dizendo que aumentar salários é um gasto bom. Procura, assim, jogar seus adversários na vala comum dos inimigos do funcionalismo, para os quais, segundo Lula, salário é dinheiro perdido.     
Mas quer o gasto seja bom, quer seja ruim, seja justo ou injusto, seja para o Bolsa Família ou para uma ambulância superfaturada, custa dinheiro, o mesmo dinheiro do contribuinte. Ou, como diz o ministro Paulo Bernardo, há restrições orçamentárias.     
Por isso, é preciso fazer escolhas. Por exemplo, o projeto de lei que a reajusta salários do Judiciário vai custar R$ 5 bilhões aos contribuintes. Ora, é correto aumentar a remuneração dos funcionários mais bem pagos do país, com média salarial em torno dos R$ 10 mil mês, o que os coloca no grupo dos 1% mais ricos da população brasileira, ou seria mais adequado gastar o dinheiro na construção de hospitais e estradas?     
Aqui temos uma diferença importante, entre, de um lado,  gastos de custeio (incluindo pessoal e Previdência) e, de outro, os investimentos, que aumentam a capacidade produtiva do país. Uma das razões do baixo crescimento do país é justamente o nível miserável de investimentos públicos, que caem há décadas, enquanto aumentam os gastos com custeio.     
Mas há também outras escolhas a fazer mesmo depois de tomada a decisão de aumentar salários. Não seria mais adequado neste momento gastar os mesmos R$ 5 bilhões para reajustar os vencimentos dos professores, que estão entre os funcionários mais mal pagos?     
Ou ainda: faz sentido um juiz ter salário inicial perto de R$ 20 mil, enquanto se paga R$ 8 mil para o presidente da República e pouco mais de mil reais para médicos iniciantes?      
Era isso que estava por trás da pergunta ao presidente. E que ele escamoteou ao dizer que aumentar salário ou dar Bolsa Família é justo, logo não pode ser considerado gasto.     
Assim como Lula dribla a questão, seu governo ignora o problema.  Em vez de se ocupar de uma verdadeira reforma do setor público e da estrutura do funcionalismo, contrata e reajusta salários, não por acaso em ano eleitoral.     
Além disso, o comentário do presidente alinha-se com um sentimento muito disseminado entre políticos à esquerda e à direita, para os quais sempre há um jeito de arrumar dinheiro público para atender a clientela. Na verdade, há três possibilidades de o governo se financiar: com inflação, que desvaloriza a moeda e as despesas públicas; com aumento de impostos; e com a tomada de empréstimos, isto é, com dívida. Ao longo dos anos, as três modalidades foram largamente utilizadas. A inflação já não é mais. Tornou-se tão elevada e tão danosa, que isso criou a necessidade do Plano Real. Alguns anos de estabilidade mostraram à população o benefício de viver sem inflação, de modo que esse expediente não pode mais ser utilizado. Mas a carga tributária aumentou dez pontos percentuais do Produto Interno Bruto nesse período de inflação controlada. Considerando que o PIB brasileiro deste ano deve ser de R$ 2 trilhões, isso significa que os contribuintes brasileiros estão pagando a espantosa cifra de R$ 200 bilhões de impostos a mais, em comparação com os valores reais pagos em 1996. Vista a conta pelo outro lado, o Estado está gastando 200 bilhões a mais, e basicamente em custeio, pessoal e previdência. Só com pessoal, o governo federal gastará neste ano pelo menos R$ 105 bilhões. Gastando não, fazendo o bem, como diria o presidente Lula. A carga tributária brasileira se aproxima dos 40% do PIB, contra a média de 25% a 30% dos países emergentes concorrentes. Além de tomar mais impostos das pessoas e empresas, o governo também tomou empréstimos para financiar seus gastos. Hoje, a Dívida Líquida do Setor Público está em torno dos 50% do PIB, quando a proporção prudente mínima seria de 40%. E a ideal, de 30%. Resumo da ópera: o governo deve demais, arrecada demais, gasta demais e quase tudo em custeio, pessoal e previdência. Nos gastos com pessoal, há disparidades enormes. Em geral, quem está ali na ponta do serviço, atendendo o público diretamente ? como policial na rua, professor na sala de aula, médico no posto de saúde ? é o pessoal com as piores remunerações. Quanto mais se aproxima dos gabinetes, maior o salário.  Além desse problema, há outro. Em geral, também faltam funcionários onde mais são necessários ? de novo, nas polícias, nos hospitais, nas escolas ? e sobram nos gabinetes. Em vez de atacar esses problemas, o governo federal simplesmente contrata mais 80 mil funcionários e aumenta salários, mantendo essa estrutura que não atende as necessidades da população. E daí, não é gasto, não é mesmo? Quando se gasta o dinheiro dos contribuintes, parece mesmo que sai tudo de graça.   Publicado em O Estado de S.Paulo, 05//junho/2006

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