. Saindo da crise
Se tudo der certo, a economia mundial sairá da crise e encontrará um novo ponto de equilíbrio na seguinte seqüência:
. os EUA passam por uma recessão neste primeiro semestre e começam a sair do buraco em algum lugar do segundo semestre
. enquanto isso, o resto do mundo segue em crescimento, especialmente a China, compensando em boa parte a parada americana
. mas como há inflação mais ou menos espalhada no mundo todo, puxada pelo forte consumo geral e pelos altos preços de alimentos e de energia, os bancos centrais vão elevar as taxas de juros, seguindo a regra do regime de metas de inflação, aplicado por toda parte
. os juros mais altos vão desacelerar a economia mundial, isso já no final do segundo semestre, considerando-se que a alta dos juros normalmente produz efeito seis meses depois de aplicada
. logo, quando isso acontecer, os EUA estarão iniciando a retomada e, de sua vez, compensarão a desaceleração mundial.
Resumo geral da ópera: uma pela outra, o mundo vai crescer menos do que no ano passado, já que haverá sempre alguma parte em desaceleração, ao contrário do que aconteceu de 2003 a meados de 2008, quando todas as regiões cresceram aceleradamente. Mas segue em crescimento bastante razoável, entrando em 2009 já mais equilibrado.
Muito bom, não é mesmo?
Ou muito bom para ser verdade?
Parece, claro, uma versão otimista. Mas não é absurda. Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, Fed, o banco Central dos EUA, tem sido bem transparente nas suas informações sobre a crise. Foi o primeiro, por exemplo, a dizer que a coisa era mais séria do que o mercado estava pensando. Foi ele também que atropelou o calendário e convocou reuniões extraordinárias do Fed para promover reduções abruptas da taxa de juros.
Nessas ocasiões, disseram que ele estava em pânico, que estava sendo levado pelos medos do mercado, que não tinha rumo.
Pois agora parece que ele estava certo, ou pelo menos mais certo que seus críticos.
Pois, ontem, usando aquela linguagem enviesada de banqueiro central, Bernanke deu a má notícia assim aos pouquinhos. Disse que a economia americana, neste primeiro semestre, ?pode não crescer muito?. Isso, ?se crescer?, ressalvou. E arrematou: porque pode haver ?leve contração? ? traduzindo, queda na produção. Mas tudo com recuperação para o final do ano.
No roteiro, portanto.
O que pode dar errado? Duas coisas: uma recessão mais profunda e mais longa, que seria provocada pela retração do consumidor americano, empobrecido com a perda de valor de suas casa, de suas ações e temendo por seu emprego. Faça a conta: a economia americana representa hoje pouco menos de 25% do produto mundial. O consumo das famílias faz algo como 65% do produto americano. Logo, se o consumidor não vai ao shopping, isso afeta a maior parte da atividade nos EUA e mais de 15% do produto mundial. É impacto.
O outro grande desastre que pode ocorrer é a crise financeira e bancária piorar, incluindo, desastre máximo, a quebra de mais algum banco grande. Isso levaria a uma paralisia do sistema mundial de crédito, e não há produção nem consumo sem financiamento.
No momento, a história caminha na direção contrária a isso. Os bancos estão explicitando suas perdas e, sobretudo, informando como vão se capitalizar. Se continuar assim, sempre com a intervenção dos BCs, a situação tende a se acalmar.
E o resto do mundo?
A verdade é que os demais países, incluindo o Brasil, exibem um desempenho mais do que satisfatório. O crescimento dos últimos anos certamente não foi uma bolha, mas baseado em bons fundamentos, com aumento de produção e consumo em ambiente de estabilidade macroeconômica. Eis um ponto crucial: a política econômica, hoje muito parecida em toda parte, com controle de contas públicas, metas de inflação com BC independente e cambio mais ou menos flutuante, é um sucesso na teoria e na prática.
Temos um problema de inflação, por exemplo, mas não tem nada a ver com crises passadas. Considerem o Brasil: estamos discutindo se a inflação vai de 4,3% a 4,6%. Essa estabilidade macro ameniza as crises ? inevitáveis ? e apressa as recuperações.
Em resumo, temos uma boa chance de sair dessa.
Publicado em O Globo, 03 de abril de 2008