RISCOS DE 2006

. É o superávit primário     
Com o pessoal já acostumado com a ausência de Antonio Palocci ? o mercado esquece rápido, não é mesmo? ? a economia entrou em um viés francamente positivo. As previsões de inflação estão em baixa e as de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em alta. Para a inflação deste ano, já circulam prognósticos abaixo dos 4,5%, que é o centro da meta. Para o crescimento, as perspectivas se aproximam dos 4%, aliás, o número do Banco Central. Está muito bom, se considerado que este é um ano de eleições presidenciais.     
O que pode atrapalhar isso?     
No exterior, já se sabe que os juros americanos vão subir um pouco mais do que se imaginava antes. Mas só um pouco, nada que, por exemplo, interrompa o fluxo de recursos para os países emergentes. E mesmo que haja um abalo forte nos mercados internacionais, os efeitos sobre o Brasil seriam infinitamente menores do que os verificados em crises anteriores. A diferença, hoje, é que as contas externas brasileiras estão no superávit e boa parte da dívida pública foi abatida, de modo que os pagamentos a serem feitos neste ano e no próximo podem ser cobertos com os dólares já em caixa.     
No lado do comércio internacional, as perspectivas melhoraram. O Fundo Monetário Internacional acaba de rever para cima seu prognóstico de  crescimento para a economia global. O número agora é uma expansão de 4,9%, quase igual ao resultado de 2004, que foi o melhor ano das últimas três décadas.     
Com isso, o mundo completa quatro anos seguidos de crescimento acima dos 4%, com todas as regiões em expansão. Isso significa que o comércio mundial continuará bombando. Em resumo, espaço para as exportações. (A propósito, note-se que o excepcional período de expansão coincide direitinho com o governo Lula. O melhor ano de Lula, 2004, com crescimento de 4,9%, foi também o melhor período do mundo, com expansão de 5,1%.  Pode-se, pois, dizer que Lula tem algo a mais que FHC: sorte. FHC topou com cinco crises que abalaram fortemente os mercados emergentes). Outro risco internacional é uma disparada dos preços do petróleo. Mas, de novo, a situação brasileira hoje é mais confortável. Primeiro, porque a Petrobrás está alcançando a auto-suficiência e pode, por exemplo, limitar os repasses de preços internacionais para o mercado interno. Não é boa prática no médio prazo, mas segura a inflação por um momento. Em segundo lugar,  o dólar e a inflação estão em níveis baixos, o que amorteceria a alta do preço dos combustíveis. Ou seja, a inflação subiria um pouco, mas continuaria dentro dos intervalos de tolerância. Restam os riscos internos. Na verdade, um só: o governo não cumprir a meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto. Esse é o indicador chave. Trata-se da economia que o governo faz nas suas despesas correntes e investimentos para pagar parte da conta de juros e, assim, conseguir uma redução da dívida pública em proporção do PIB. Se o superávit cai, isso significa que a dívida, já elevada, vai aumentar ainda mais. Dívida alta traz juros altos, mais impostos e tudo de ruim que vem junto. Há um risco aqui porque os gastos públicos do governo federal dispararam no final do ano passado e continuaram assim no primeiro bimestre deste ano. Em relação ao mesmo período do ano passado, as despesas de janeiro e fevereiro últimos cresceram nada menos que 9% em termos reais,  descontada a inflação. Já a receita do governo cresceu bem menos, 3,5% na mesma comparação, o que acende a luz amarela. Caiu o superávit primário. Até o ano passado, o crescimento das despesas vinha sendo pago, com folga, pelo aumento da arrecadação de impostos. Ocorre que este aumento já passou dos limites. A carga tributária se aproxima dos 40% do PIB e não será possível tomar ainda mais dinheiro da sociedade. Ou seja, a realização da meta de superávit primário depende de um controle nas despesas. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já garantiu que vai cumprir a meta neste ano. Mais que isso, há informações de que a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o período 2007/09, a ser enviada ao Congresso neste mês, vai manter o superávit de 4,25% do PIB para todos os três  anos. São garantias importantes, mas serão executadas?  Essa é uma prova a ser feita nos próximos dois meses. A avaliação formal do superávit é quadrimestral, mas o mercado acompanha a coisa todo mês. Considerando que Mantega assumiu em abril, ele terá este mês e maio para mostrar que a meta é para valer. Há estímulos para que faça isso. Ele sabe que o fracasso aí terá imediata reação negativa dos mercados e jogará para baixo as expectativas em relação à economia brasileira. A questão é saber se Mantega terá força para conter o ânimo gastador dos seus colegas de ministério. Cumprida a meta, o ano está ganho. O novo governo começaria 2007 com muita coisa para resolver, mas a situação de momento estaria bastante confortável. Na verdade, o governo Lula está falhando em pontos que farão diferença mais à frente: são escassos os novos investimentos, especialmente em infraestrutura. Não há investimento público porque o governo gasta cada vez mais em custeio (Previdência, pessoal, assistência social, principalmente). E não há investimento privado porque o governo não cria as regras e o ambiente institucional que abram espaço e ofereçam garantia aos investidores nacionais e estrangeiros. Isso limita a capacidade de crescimento de médio e longo prazo. É também por isso, aliás, que o país cresce menos que os outros neste momento. Está surfando a onda da expansão mundial, mas no fim da fila, abaixo da média internacional, da média dos emergentes e da média da América Latina. E se furar na meta do superávit primário das contas públicas, aí estraga o curto prazo. É isso, o foco está nos tais 4,25% do PIB. Publicado em O Estado de S.Paulo, 10/abril/2006

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