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As ações esmagam o FGTS
Os trabalhadores que utilizaram parte de seu FGTS para comprar ações da Petrobrás, em 2000, e da Vale, 2002, só tiveram alegria. Sua poupança em ações rendeu várias vezes mais, de modo que a experiência revelou-se um claro sucesso. Foi, entretanto, interrompida no governo Lula. Falou-se, em determinado momento, na possibilidade de compra de ações do Banco do Brasil, mas a idéia morreu. Por quê?
Do ponto de vista das finanças do trabalhador, não há dúvida sobre o sucesso das operações. As ações da Petrobrás puderam ser adquiridas em agosto de 2000, ao preço de R$ 34,46, já com os 20% de desconto. Em 19 de janeiro último, o papel valia R$ 104,46, um salto de 289%. Para comparar: a inflação no período, medida pela Fipe, foi de 36,4%. E o CDI (Certificado de Depósito Interbancário, padrão do mercado) pagou 83,3%. O dinheiro que ficou no FGTS rendeu ridículos 28,7% (TR, taxa referencial, mais 3% ao ano).
Já as ações da Vale puderam ser compradas em março de 2002, quando valiam R$ 54,42, com desconto de 5%. Em 19 de janeiro último, estavam a R$ 77,70, com valorização de 379,3%, contra inflação de 25,6%, CDI de 55,7% e FGTS de escassos 18,52%.
Reparem: nos dois casos, a remuneração pelo FGTS rendeu menos que a inflação, o que significou perda real de poupança.
Colocando em dinheiro, a diferença mostra-se mais gritante. quem tinha mil reais no FGTS em agosto de 2000, chegou na semana passada com R$ 1.287,00. Os mesmos mil na Petrobrás tornaram-se R$ 3.893,34, um ganho de exatos R$ 2.696,34. Para a Vale, os números são: R$ 1.185 no FGTS, contra espantosos R$ 4.793 nas ações.
O pessoal das ações ganhou dinheiro.
Do ponto institucional, a operação foi cercada de todos os cuidados. Por exemplo, só foi possível usar uma parte mínima do FGTS, mesmo porque era experimental. As ações foram escolhidas com critério ? quer empresas mais sólidas que Petrobrás e Vale? ? e por acaso saíram uma estatal e outra privada. Houve prazos para manutenção dos papéis, de modo a evitar especulações.
Na semana passada, o presidente da Bolsa de Valores de São Paulo, Raymundo Magliano, apresentou os números ao presidente Lula e propôs a reabertura dessas operações. Entre as cautelas sugeridas, indicou que seriam oferecidas apenas ações da empresas que passassem no critério da boa governança. E, de novo, o trabalhador poderia utilizar apenas um pequeno percentual de sua poupança no FGTS.
Lula ficou de estudar. Vai consultar o seu pessoal.
Pode-se perguntar: consultar para quê, se o negócio é tão bom?
É verdade que há ressalvas a fazer. Bolsa é investimento de risco e não se pode dar garantia absoluta de ganho. Mas o rendimento do FGTS é tão baixo que é muito difícil perder para a Bolsa, desde que se considerem prazos razoáveis. Além disso, seriam oferecidas ações de empresas que têm quase 100% de chance de valorização. Tome-se o Banco do Brasil. Não é impossível, mas é difícil fazer o bancão perder dinheiro, sobretudo considerando as atuais normas de procedimento e de controle.
De todo modo, seria uma escolha pessoal, e livre, do dono da conta do FGTS. E aqui, na verdade, começam a aparecer os reais obstáculos à idéia. Estão no campo da política e da ideologia. O dinheiro do FGTS, uma poupança compulsória, administrada pela Caixa Econômica Federal, financia investimentos e/ou empréstimos públicos para programas de saneamento e casa própria. O governo, no final das contas, manda nesse dinheiro barato e o gasta conforme suas prioridades e sua clientela. Todo o conjunto respeita uma concepção estatizante. A poupança é compulsória e administrada pelo governo, subentendendo-se que a burocracia sabe melhor que o trabalhador individual como cuidar desse dinheiro. A idéia de permitir que o trabalhador possa escolher onde e como aplicar sua poupança vai exatamente na direção contrária. Começando pela liberdade de pequenas aplicações em ações previamente definidas ? na verdade uma escolha limitada, entre FGTS e Bolsa ? pode-se pensar em um futuro no qual o trabalhador tivesse cada vez mais controle sobre seu FGTS e o modo de investir essa poupança. Que tal, por exemplo, se o trabalhador pudesse inclusive escolher o banco que administraria seu fundo, isso criando forte competição entre as instituições? Muito diferente da situação de hoje, em que o trabalhador tem escolha zero, ficando todo o dinheiro por conta do governo. A concepção estatizante responde que precisa desse dinheiro barato para financiar programas socialmente relevantes. Mas a poupança do trabalhador não é o fundo mais adequado para tais programas. Do ponto de vista econômico, é importante que haja poupança de longo prazo ? e isso pode perfeitamente ser obtido com um FGTS mais controlado pelos próprios donos das contas, sempre, claro, sob regras prudenciais. Na verdade, haveria aí mais poupança e gastos de melhor qualidade. É esse debate que se travará no governo. Certamente estamos longe de qualquer ameaça de privatização do FGTS, mas como o governo Lula admite várias tendências, certamente haverá quem defenda o interesse do trabalhador ganhar um pouco mais com seu FGTS. Publicado em O Estado de S.Paulo, 24/01/2005