QUE TAL O DÓLAR A R$ 3,50?

Os lojistas brasileiros perdem vendas para Miami e Nova York. Não é só por causa do dólar?

Não há números exatos, mas lojistas brasileiros não têm dúvidas: estão perdendo vendas para o comércio de Miami e Nova York.
Os sinais são evidentes e o primeiro deles é a atual dedicação do governo americano em facilitar a concessão de vistos para brasileiros. O outro está nas contas externas brasileiras.
No primeiro trimestre deste ano, gastamos US$ 5,4 bilhões lá fora, um salto de 13% sobre o mesmo período de 2011. É verdade que o volume de gastos vem diminuindo na comparação mensal: US$ 2 bi em janeiro, contra US$ 1,6 em março último.
Isso coincide com a alta do dólar, de modo que essa pode ser uma explicação. Mas quanto precisa subir o dólar para eliminar a vantagem de comprar lá fora?
Fizemos algumas comparações com preços de roupas, calçados e aparelhos eletrônicos. Em todos os casos, o dólar precisaria ir muito além.
Por exemplo: encontramos um modelo de tênis muito conhecido no mundo, para tênis, fabricado no Vietnã, sendo oferecido no Brasil por R$ 299, na promoção. Curiosamente, o modelo também está em promoção nos EUA, onde sai por US$ 85 ? ou R$ 161, com o dólar já a R$ 1,90. Ainda assim, a metade do preço brasileiro.
Para que o preço local se equilibrasse com o americano, seria necessário um dólar a R$ 3,50. Ora, nem os mais entusiastas defensores da desvalorização do real acreditam que seja razoável chegar a essa cotação.
O dólar chegou a esse nível, perto dos R$ 4,00, no período pós-Real, apenas em uma ocasião: em setembro de 2002, véspera da primeira vitória eleitoral de Lula, quando se imaginava que ele fosse desmontar a política econômica de FHC, pilar da estabilidade. Naquele momento, as exportações brasileiras estavam na casa dos US$ 60 bilhões/ano e as reservas nem chegavam a US$ 20 bilhões.
Hoje, com estabilidade macroeconômica completando 18 anos, as exportações passam dos US$ 250 bi e as reservas, os US$ 350 bi.
Ou seja, no preço brasileiro local tem muito mais do que um real valorizado ? tem todo o custo Brasil.
Com imposto?
Semana passada, a polícia deu uma batida em um shopping popular em Belo Horizonte. Pegou todo mundo sem nota fiscal de venda e de compra.
A rádio CBN entrevistou um dos lojistas, quase todos ex-camelôs, para os quais, aliás, fora instalado o shopping. Ele disse o que se sabe: num mercado popular, se for pagar imposto, não dá.
Para a classe média, dá para pagar bem menos imposto: nos EUA.
Perderam a noção
Por falar nisso, eis um caso de custo Brasil, custo governo.
O trabalhador brasileiro ganhou, em março, R$ 1.728,40. Trata-se de uma média, claro, de todos os rendimentos do trabalho formal ou informal, no setor público ou privado. É uma medida do IBGE e revela um ganho real, descontada a inflação, de 5,6% sobre o vencimento de um ano atrás. Na verdade, trata-se do valor mais alto para um mês de março, desde 2002.
Mas o Senado Federal tem coisa melhor, muito melhor. Vagas para policial da casa ? segurança ? sem necessidade de curso superior, com salário de R$ 13 mil.
Quem ganha esse salário no setor privado? Todo domingo, este jornal publica, no classificado Empregos, uma tabela geral de salários. São valores médios, obtidos em pesquisa junto a empresas de diversos portes e setores, sem vantagens, adicionais, prêmios, etc. Como são os 13 mil dos seguranças do Senado ? de modo que a comparação faz sentido. Sem contar que o Senado costuma ser generoso nas vantagens pessoais.
Em todas as áreas do setor privado (Administração, Recursos Humanos, Marketing/Vendas, Contabilidade, Tecnologia da Informação, Indústria de Transformação e Logística) só gerentes empatam ou passam dos R$ 13 mil. E nem todos. Em Marketing, por exemplo, um gerente de produtos ganha na média de R$ 11 mil.
Na categoria dos engenheiros, sem cargos de chefia, os salários mais altos chegam a R$ 12 mil. E isso para engenheiro de obras sênior, com diploma, claro, e muitos anos de experiência.
Em toda a tabela, os salários mais altos estão na casa dos R$ 17,5 mil, remuneração de gerentes industriais e de Tecnologia da Informação.
De novo, são valores médios. Logo, é claro que tem gente ganhando mais que isso em muitas empresas. São, entretanto, os pontos altos, não definem a regra. Há advogados que ganham mais de milhão por mês, por exemplo, defendendo os ?melhores? bandidos nacionais. Mas um advogado sênior, ?normal?, digamos assim, numa boa empresa, ganha em média R$ 10 mil por mês.
Quando os servidores públicos, especialmente aqueles das carreiras mais bem remuneradas, reivindicam aumentos, costumam se comparar com estrelas do setor privado. Não faz sentido.
Resumindo, o setor público paga bem. Um consultor legislativo, de novo no Senado, começa ganhando R$ 23 mil, com plena estabilidade. Não arranja isso no setor privado, a menos que seja um fora de série.
Alguns dirão: é o setor privado que paga mal.
Errado: os salários são definidos pela capacidade, formação, pelo desempenho, entrega de resultados e pela oferta e demanda de mão de obra. E sempre considerando custos e margens. A empresa paga o que pode pagar, considerando o que vende e o que fatura.
(Aliás, neste momento, salários estão em alta no Brasil justamente porque a taxa de desemprego está em baixa histórica).
Já no setor público, os salários são definidos pela capacidade política de influência. Quanto mais perto dos gabinetes de Brasília, maior o salário.
Na mesma ocasião em que o Senado oferecia R$ 13 mil para seus seguranças, a prefeitura do Rio abria vagas para professor de matemática e espanhol. Salário: R$ 3,4 mil.

Publicado em O Estado de S. Paulo, 30 de abril de 2012

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