PROPAGANDA E GOVERNO

. Subestimando o eleitor Nos meios de televisão e propaganda, fez e faz muito sucesso uma frase cunhada por um editor americano: ninguém perde dinheiro subestimando a inteligência do telespectador.  Valeria para votos? A pergunta vem a propósito da propaganda que o PT tem veiculado pela televisão, sob o mote geral “isso é fato, isso é verdade”. Há ali tanta informação errada e tantas manipulações que se fica a pensar: será que seus autores confiam tanto na ignorância do telespectador ou são ignorantes eles mesmos? Seria o máximo da esperteza ou pura e simples incompetência? Ou o pessoal ainda não encarnou o governo? Por exemplo: é ou não é manipulação grosseira comparar o reajuste da gasolina e do gás de cozinha em 15 meses do governo Lula com o aumento acumulado em 96 meses do governo FHC? Mesmo quem não tem nenhuma informação sobre o tema certamente desconfia quando se diz que a gasolina subiu 288% no governo FHC contra uma queda de 5,9% no governo Lula. É possível tanta eficiência, e logo com o preço de um produto (petróleo) tão volátil nos dias de hoje? Não é possível, claro. Além disso, os números estão errados. Quando diz que o preço da gasolina caiu, a propaganda deve estar se referindo à decisão da Petrobrás de reduzir os preços na refinaria, o que de fato aconteceu no ano passado. Mas no varejo, no posto, o preço é outro. E não caiu na atual administração, mas permaneceu quase estável. O que pode ser, de fato, uma mudança de política. No governo FHC, a Petrobrás introduziu o critério de alinhar seus preços com o mercado internacional. A gestão petista anunciou a manutenção do critério e o cumpriu quando reduziu preços no ano passado, aproveitando uma queda externa. De uns tempos para cá, porém, os preços internacionais do petróleo e seus derivados sobem sem cessar, de modo que os valores locais estão claramente defasados e precisariam ser elevados. E aí, o que vai fazer o governo? Se mandar a Petrobrás aumentar seus preços, queima a língua da propaganda nos quesitos gasolina, gás de cozinha e inflação. Se mantiver os preços estáveis, salva a propaganda, mas diminui a rentabilidade da Petrobrás, com prejuízo para os acionistas, inclusive o governo, que depende dos lucros da estatal para investimentos e para fazer caixa. Os autores da propaganda saberiam desse embrulho? Porque se soubessem, certamente seriam mais comedidos. Por outro lado, poderiam pensar que o povão não sabe nada disso, o que é correto. Mas se o governo aumentar os preços dentro em breve, o que é possível e, talvez, necessário, o povão percebe logo. Resultado: a propaganda criou mais um obstáculo para o governo. E esse é o ponto. Parece propaganda de partido que está na oposição e não terá que tomar em breve uma decisão a respeito dos preços dos combustíveis. Mais ainda, parece propaganda de partido oposicionista que não cogita de chegar ao poder, numa atitude exatamente igual à do PT que prometia dobrar o valor real do salário mínimo e criar dez milhões de empregos. Se já foi um equívoco quando o partido era de fato oposição, o que dizer agora que é governo? Ou o pessoal do PT não se deu conta disso ou deposita imensa fé na sua propaganda e na ignorância do povão. Precisa aumentar a gasolina? Não tem problema, a gente conta uma história, põe a culpa no FHC, faz um belo filmete e vamos em frente. É verdade que funcionou para ganhar a eleição. Mas será que dá para governar assim? Há outra confusão danada com a taxa de juros. A propaganda atribui ao IBGE cálculos e números sobre juros, o que é errado (o IBGE faz índices de inflação). Também erra nos números e na fonte para a cesta básica. De novo, atribui equivocadamente ao IBGE quando fala de números do Dieese. Comemora-se uma taxa real de juros que não se sabe de onde vem (9,07%, apresentada como a menor em dez anos). Entretanto, utilizando-se os dados da própria propaganda (juros nominais de 16% e expectativa de inflação de 5,6%) chega-se a uma taxa real maior, de 9,8%. Pode parecer um detalhe e a diferença nem é tão grande. Mas um partido que está no governo não pode confundir dados do IBGE com os do Banco Central e os do Dieese. Nem errar contas. De novo, passa a impressão de estar ainda na doce e irresponsável oposição. Pelo mesmo motivo, o PT, mesmo tendo vencido as eleições, não desencarna do PSDB e de FHC. Parece a mulher separada (ou o homem) que fica o tempo todo falando do (a) ex-, do (a) falecido (a). O PT precisa encarnar no governo. O povão entende os excessos da oposição, acha que é essa mesma sua função, a de baixar o pau. Mas do governo, o pessoal pega pela palavra e pelos atos. Publicado em O Estado de S.Paulo, 10 de maio de 2004

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