PRIVATIZAR PARA NÃO ROUBAR

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Oportunidades de corrupção     
Por que o motorista pára no sinal vermelho?

Três possibilidades:

1) porque é um cidadão respeitador da lei.

2) porque vêm muitos carros no lado do verde;

3) porque a multa é pesada e grande a chance de ser apanhado.

A cada resposta corresponderá um tipo de política pública destinada a organizar o trânsito e reduzir o número de acidentes.     
Para o pessoal da resposta 1, idealistas, a política será baseada numa campanha de educação. Da resposta 2 não sai qualquer política. É o pessoal entre cínico e pragmático, para quem o motorista sempre passará o sinal vermelho se considerar baixo o risco de trombada. A alternativa 3 ? realista?- é o que se poderia chamar de resposta certa. Explica a maior parte do comportamento e é a base de políticas bem sucedidas pelo mundo afora. Multa pesada, alta probabilidade de ser apanhado e baixíssima probabilidade de corrupção para escapar da punição. A experiência tem mostrado que a multa nem precisa ser muito alta. É necessário que represente uma despesa efetiva, mas o mais importante é a probabilidade do sujeito ser apanhado. Como no caso da criminalidade em geral: os índices caem nos locais onde é maior a proporção de crimes desvendados e culpados apanhados. Mas por que estamos falando disso com tanta oferta de assunto? Porque estão aí algumas idéias para se discutir meios de combate à corrupção. O primeiro ponto é o seguinte: ou se aplica um processo de aperfeiçoamento moral de políticos e administradores públicos e/ou se reduzem as oportunidades de corrupção. Acontece que o aperfeiçoamento moral vem com o tempo, com o amadurecimento da democracia e com níveis maiores de educação. E mesmo que isso ocorresse rapidamente, ainda assim haveria corrupção se oferecidas as oportunidades, como se vê pelo mundo afora. Ora, como restringir as oportunidades? Aqui, retomamos um tema de artigos anteriores: a privatização como meio de combate à corrupção. Rolf Kuntz, com precisão e elegância habituais, escreveu aqui que não funciona. Em 09/06, disse que privatização, como remédio contra a corrupção ?é apenas mais uma versão da teoria do sofá. Tirar o móvel da sala pode eliminar uma oportunidade, mas não torna as pessoas mais castas?. Verdade que não torna ninguém mais casto. Mas a redução das oportunidades leva necessariamente à redução da corrupção. O pessoal envolvido no caso dos Correios foi apanhado fazendo ?negócios? com a compra de tênis. Imaginem se as companhias telefônicas ainda fossem estatais e abrissem licitações para negociar a compra de 60 milhões de aparelhos celulares e suas centrais? Imensa oportunidade, não é mesmo? É preciso saber onde está o funding da corrupção. É freqüentemente um assalto aos cofres públicos, mas não exclusivamente. Tome-se o caso dos setores onde há controle de preços por parte do governo. Corromper um administrador para que conceda reajustes elevados para uma determinada tarifa não compromete o caixa do Tesouro. Ao contrário, pode até ser um ganho, pois aumenta a arrecadação de impostos sobre a tarifa. O funding da corrupção, portanto, vem do controle sobre decisões da administração e das empresas públicas. Reduzindo o número de estatais e fechando o cerco sobre o modo de gestão ? com instrumentos como a Lei de Responsabilidade Fiscal ? é, portanto, um poderoso meio de combater a corrupção. Claro que houve na história e há hoje estatais administradas correta e honestamente. Há burocracias e carreiras não apenas honestas e competentes, mas imbuídas do espírito do serviço público. Mesmo essas, porém, podem ser manipuladas. Não mandaram o Banco do Brasil comprar entradas para um show do PT? E, notem, funcionários do banco encontraram argumentos legais para justificar a compra. As diretorias da Petrobrás e suas subsidiárias estão submetidas a esquemas de nomeação que inquietam a corporação. A Vale do Rio Doce e as siderúrgicas estatais também eram consideradas de boa administração. Mas deputados tinham quotas para vender minério e aço. As autarquias que controlavam amplos e ricos setores da economia também formaram funding para a corrupção por tantas décadas. Portanto, também como remédio contra a corrupção, é preciso reduzir o tamanho do Estado, assim como reduzir os controles do governo sobre a economia. E no caso de o controle ser inevitável, como no caso de tarifas em setores concentrados, por exemplo, é preciso estabelecer regras firmes para o exercício desse poder. A Lei de Responsabilidade Fiscal não foi feita apenas para combater a corrupção. Nem era esse seu principal objetivo. Tratou-se de estabelecer regras que garantam uma gestão equilibrada das contas públicas. Mas está claro que, bloqueando as oportunidades de gastos, se reduz a oferta de corrupção. O PT sempre foi contra privatização e a favor do aumento do Estado. Combatia a corrupção como se fosse coisa do neoliberalismo e que, portanto, acabaria assim que a esquerda, e sua consciência do serviço público, chegasse ao poder. Era o pessoal da resposta 1: o governo seria limpo quando controlado pelos políticos do bom partido. E deu nisso. Portanto, gente, sinal vermelho, multa, radar fotográfico e cobrança. Tudo, de preferência, privatizado. Claro, sem contar as razões econômicas para a privatização. Mas não deixem de ler o Rolf Kuntz. Quando se tem opinião contrária à dele, é muito provável que se esteja equivocado.

Publicado em O Estado de S.Paulo, 13 de junho de 2005

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