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E volta a
Privatização
Carlos Alberto Sardenberg
Privatização foi palavra maldita nas eleições de 2006. Maldita no federal e no estadual. O tucano Geraldo Alckmin, que havia comandado o programa de desestatização paulista, jurou que era contra dali em diante. E saiu por aí vestindo blusão com os emblemas da Petrobrás, Banco do Brasil etc. Depois, emprestou o blusão para Yeda Crusius, que acrescentou o símbolo do banco estadual gaúcho, para jurar a fé estatizante.
Passa o tempo e o presidente Lula, que jogara Alckmin na lona com a ?acusação? de privatista, simplesmente privatiza seis importantes rodovias federais e sem cobrar nada pela outorga das concessões. O candidato derrotado poderia ter dado o troco e acusado o presidente de entregar patrimônio público de graça, mas deixou por isso mesmo. Aliás, todos deixaram e caíram numa discussão sobre métodos de concessão (privatização) de estradas.
Um avanço, sem dúvida. Mas como foi possível depois da demonização da campanha? Simples, a necessidade.
O governo Lula passou cinco anos tentando turbinar os investimentos públicos em estradas. Chegou a gastar algumas centenas de milhões naquela operação tapa-buracos, um fracasso, dinheiro que poderia ter sido utilizado, por exemplo, no Bolsa Família.
E como a opção do governo é mesmo pelos gastos sociais, aí incluindo o salário mínimo da Previdência, e mais os salários de um funcionalismo ampliado, não sobra mesmo dinheiro para pesados investimentos em infra-estrutura. Logo, é preciso chamar o capital privado.
Além das estradas, o governo Lula também entregou a primeira usina do rio Madeira à iniciativa privada, ainda que associada a uma estatal. Outras usinas está no programa, assim como estradas e portos. Vai devagar, dada a incapacidade administrativa, mas vai.
Isso abriu o ambiente. O governador José Serra já emplacou uma boa privatização, a concessão de um trecho do Rodoanel ? cobrando pela outorga ? e tem programada uma megaoperação, a venda da geradora de energia Cesp, marcada para o próximo dia 26.
Há oposição, mas é para cumprir tabela. Nada que se assemelhe aos violentos protestos do passado. Mudou o cenário: se o companheiro Lula privatiza, por que os outros não podem?
Se a Cesp for vendida pelo preço mínimo, o governo paulista receberá mais de R$ 6 bilhões. Já embolsou R$ 2 bilhões com a concessão do Rodoanel. Tudo dando certo, serão R$ 8 bilhões no caixa para gastar. E mesmo que o governo resolvesse usar todo o dinheiro para matar dívida, ainda assim seria vantajoso, até mais. Reduziria a dívida e, pois, o pagamento de juros, aumentando indiretamente a capacidade de investimento.
Importante observar o sentido político: o chefe máximo do PT e um super-tucano (de íntima vocação estatizante) avançando na privatização deve ser um exemplo para os demais partidos e forças políticas.
O dinheiro fala mais alto que a ideologia. O bom sendo também. Em todo o Brasil que cresce encontra-se a mão visível da iniciativa privada.
A deficiência de infra-estrutura ? de estradas e ferrovias a portos e aeroportos ? é o maior obstáculo à aceleração contínua do crescimento.
O governo Lula faz um carnaval com o PAC e com o aumento dos investimentos no ano passado. Parece muito, mas é pouca coisa. A poupança, que vira investimento, representou 17,7% do PIB, número forte para o Brasil, mas uma mixaria quando comparado com países concorrentes. Não precisa nem citar os 40% da China. Poupança de 25% se encontra fácil por aí.
No Brasil, cada 1% do PIB representa hoje coisa de R$ 26 bilhões. Para chegar a 25% de investimentos, seriam necessários nada menos que R$ 180 bilhões. Sabem quanto o governo federal investiu em todo o ano passado? R$ 22,1 bilhões, mais ou menos dentro do padrão histórico. Ou seja, o PAC não acrescenta nada, é apenas embalagem para gastos comuns. Apenas, não, uma baita embalagem.
Mas não é isso que vai turbinar a infra-estrutura. Isso depende de uma privatização em massa.
O outro grande obstáculo é educação, aqui sim um setor que vai exigir mais e, sobretudo, melhor investimento público. Mais uma razão para privatizar obras, para sobrar dinheiro para escolas e professores.
Publicado em O Globo, 13 de março de 2008