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Privatizações: tudo veio do governo FHC

Carlos Alberto Sardenberg

 

Na coluna da semana passada, comentei que primeira vez tínhamos uma verdadeira equipe liberal ortodoxa, tocando reformas e privatizações por ideologia e não por necessidade. Lá pelas tantas, escrevi: “Governos anteriores, por exemplo, faziam privatizações por necessidade, para arranjar uns trocados ou para se livrar de empresas inviáveis”.

Foi claramente injusto. A frase cabe para os governos do PT, mas nunca para o governo FHC, como me lembrou David Zylbersztajn. Para reparar, dou a palavra a ele:

“Participei de dois momentos importantes em processos de privatização. No governo Covas, em São Paulo, como secretário de Energia, liderei a venda das estatais do setor.  Nossa meta era promover o saneamento das contas públicas, mas, principalmente, viabilizar a finalização de dezenas de obras paradas, estancar a sangria da roubalheira oriunda de uma sequência Maluf-Quércia-Fleury (e fechar as portas futuras), e, notadamente, a certeza de que a expansão do setor só se sustentaria com gestão e capitais privados.

E até hoje as regras que norteiam as privatizações federais estão no Programa Nacional de Desestatização, dos anos 90. E não por acaso, mas dentro de um processo pensado e politicamente criado no sentido de viabilizar o capital privado, foram criadas as agências reguladoras, sem as quais nenhuma privatização seria viável.

Da metade dos anos 90 para frente foram vendidas as empresas do setor siderúrgico (lembra o que significava vender a CSN em 1994?), petroquímico, a Vale, Light, Escelsa, Eletrosul, o sistema Telebrás. E as concessões de estradas, que não existiam? Não foi para arrumar uns trocados. Foi caso pensado, como linha política de governo.

Por fim, a abertura dos setores elétricos e do petróleo ao setor privado. (Zylbersztajn montou a Agência Nacional do Petróleo – ANP). Hoje a sociedade aceita numa boa, mas pense o que foi quebrar o monopólio da Petrobras há 23 anos. Não fosse isso, não teríamos o pré-sal e nem as quase 100 empresas privadas atuando no setor.

Sem demérito, e torcendo para que as coisas avancem, a equipe econômica até agora não conseguiu vender um único parafuso (aliás criou uma nova estatal, a NAV). Salvo a Eletrobrás (se os senadores deixarem), nada mais de grande relevância restará para este e futuros governos, em termos de privatização”.

Retomando o texto: fui traído por lembrar da disputa ideológica que houve no início do governo FHC. Havia um grupo mais moderno, a favor de reformas liberais e privatizações. E outro, claramente estatizante. FHC entendeu o momento e arbitrou. Fez um grande governo.

 

À francesa

Um amigo meu, hoje na casa dos 75, trabalhou na França logo após se formar engenheiro. Foi seu primeiro emprego com carteira assinada. Ficou lá cinco anos seguidos, até os primeiros anos da década de 70. Voltou ao Brasil e seguiu a vida por aqui, em empresas nacionais e internacionais, chegou a CEO, membro de conselhos, enfim uma bela carreira. Circulou pelo mundo, mas não voltou a assinar carteira na Franca.

Quando tinha uns 60 anos, um colega francês perguntou: você já tirou sua aposentadoria francesa?

Por cinco anos de contribuição? – desconfiou meu amigo.

Para encurtar a história: foi encaminhado a um escritório especializado em Paris que, em pouco tempo, arranjou tudo. Desde então, nosso amigo recebe 600 euros por mês. Obviamente, já recebeu muito mais do que contribuiu. E mais: recebe de três fontes diferentes.

O projeto de reforma da previdência apresentado pelo presidente François Macron ataca os dois pontos desta história. Primeiro, a generosidade do sistema: uma aposentadoria por cinco anos de contribuição? E o outro ponto: a existência de mais 40 sistemas de aposentadoria. Essa variedade é uma maneira de multiplicar os benefícios. A pessoa recebe uma aposentadoria do regime de engenheiros, outra do sistema trabalhadores da construção civil e assim vai.

Por isso é tão difícil fazer a reforma da previdência na França. O sistema está quebrado por distribuir uma incrível sequência de benefícios, cujos titulares estão prontos a derrubar governos que tentam mexer nisso. Afinal, não serão eles que pagarão a conta.