Privatização, de novo

. Por que não privatizar?

Mesmo não sabendo o significado exato da palavra ?estratégia?, se alguém lhe perguntar se investimento em aeroporto é estratégico você responderá que sim.
Por isso, ninguém estranhou quando o ministro da defesa, Nelson Jobim, saiu com essa: ?investimentos nessa área (aeroportos) são todos estratégicos?. E também passou batida a conclusão de Jobim: e ? isso não é compatível com a administração privada?.
Mas é preciso estranhar e fazer a pergunta: por que não é compatível?
Se lhe perguntarem se telecomunicações formam um setor estratégico, você responderá, pela mesma intuição, que sim. Ora, as telecomunicações no Brasil vão muito bem, muito melhor que os aeroportos da Infraero, e, êpa! são inteiramente privadas.
Convém pensar, portanto, o que seria estratégico. A palavra de origem, estratégia, é militar. Pelo Aurélio: ?arte militar de planejar e executar movimentos e operações de tropas, navios e/ou aviões, visando a alcançar ou manter posições relativas e potenciais bélicos favoráveis a futuras ações táticas sobre determinados objetivos?.
Certamente interessa a Jobim como ministro da Defesa, mas não deve ser disso que se trata quando se fala de investimentos em aeroportos civis. Convém passar, então, às acepções derivadas, a saber: ?arte de aplicar os meios disponíveis (ou de explorar condições favoráveis) com vista a objetivos específicos?.
O objetivo, no caso, só pode ser o oferecimento de aeroportos eficientes, seguros, confortáveis e corretamente localizados. Os investimentos são os meios para se alcançar isso, estratégicos, portanto, mas de onde se conclui que não podem ser privados?
Investimento começa com dinheiro, que pode ser público ou privado. Por que deveria ser apenas público no caso dos aeroportos, especialmente quando se sabe que são privados muitos dos mais importantes aeroportos do mundo?
É provável que o ministro tenha usado o termo ?estratégico? no lugar de ?segurança nacional?, expressão vinculada ao regime militar de que todos querem distância. Deve haver algum conceito estratégico para segurança nacional, mas mesmo sem conhecê-lo qualquer um concluiria que um avião cheio de turistas partindo de Congonhas e descendo no aeroporto de Salvador não tem nada a ver com a segurança nacional. Idem para um jato lotado de homens e mulheres a trabalho na ponte Rio-São Paulo.
Podem ir terroristas a bordo?
Isso pode, mas, felizmente, o Brasil está muito longe dessa ameaça. E mesmo que estivesse perto, a prevenção do terrorismo é um trabalho da polícia que pode ser feito em qualquer aeroporto, pertença ele à Infraero ou a um fundo de investimentos.
Mas o controle do tráfego aéreo é um caso de ?segurança nacional?, perdão, estratégico. Logo, deve ser controlado pelo Estado.
Verdade?
Sim e não.
Sim, quando se trata de prevenir o ataque de aeronaves inimigas ? ameaça da qual, convenhamos, estamos bem distantes. Graças a Deus! Porque nossos jatos da Força Aérea estão de tal modo sucateados que não resistiriam a duas horas de combates. Portanto, nessa parte da estratégia, que cabe ao governo e ao Estado, estamos mais do que vulneráveis.
Também é caso de segurança, quer dizer, estratégico, quando se trata de combater o tráfego aéreo do pessoal das drogas, especialmente nas fronteiras da Amazônia. Também estamos vulneráveis nisso ? outra função do Estado que não vem sendo bem cumprida.
Agora, o que tem de estratégico, mesmo no sentido de segurança nacional, definir, por exemplo, se Congonhas será ou não um aeroporto de conexões? Se cabe ou não uma terceira pista em Cumbica? Se as companhias aéreas devem concentrar suas operações aqui ou ali?
Digamos que a localização de aeroportos é estratégica. Por exemplo, se forem construídos muitos aeroportos na Amazônia, isso pode facilitar uma eventual invasão dos novos jatos de Hugo Chávez ou a circulação dos aviões do tráfico de drogas. Mas por esse argumento, também não se deveriam construir pontes ligando os países.
Aeroportos e pontes apóiam o desenvolvimento econômico. A função de segurança estratégica tem que ser cumprida pelas Forças Armadas e pelas polícias, não importa onde estejam ou a quem pertençam o aeroporto e a ponte. Resumindo, cabe ao governo garantir a segurança e a eficiência dos aeroportos, mas deve fazer isso com regulamentação e fiscalização, não com a propriedade dos aeroportos. Ao contrário, o governo é dono dos aeroportos e olha o que aconteceu.
Resta um argumento econômico. Segundo Jobim, investir em aeroportos na Amazônia ? importante tanto para a segurança nacional quanto para desenvolver a região ? é caro e não ?traz rentabilidade ao capital investido?. Não dá lucro, logo, não pode ser privado.
Vai daí, conclui o ministro, que todos os aeroportos, os lucrativos e os que dão prejuízo, devem ser igualmente estatais. Ora, trata-se de uma conclusão sem o menor sentido.
É justamente função do Estado investir ali onde a iniciativa privada não tem interesse ou não tem condições. Uma boa maneira de o Estado obter dinheiro é justamente privatizando e vendendo caro os setores lucrativos. Sem contar que se pode fazer negócio casado: quem comprar Congonhas, certamente um filé lucrativo, leva junto um osso. Congonhas perde valor nesse arranjo, mas pode ser uma boa estratégia.
As companhias de telecomunicações funcionam nesse esquema. Mas se o ministro Jobim tiver razão, então é urgente reestatizar todo o setor de telecomunicações. A Embratel, por exemplo, que controla estrategicamente as ligações internacionais e alguns satélites, pertence a uma companhia mexicana. Já pensaram o risco que corremos se o Brasil entrar em guerra com o México?

Publicado em O Estado de S.Paulo, 03 de março de 2008

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