PREVIDÊNCIA

. Reformou, parou. Precisa reformar de novo O Brasil passou os últimos dez anos envolvido com reformas da previdência. A última delas foi recentemente concluída, quando o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a cobrança de contribuição dos funcionários públicos aposentados. Com isso, o governo Lula deu o assunto por encerrado. Foi um alívio político para toda a sociedade. Aqui e em qualquer outro país, reforma da previdência é sempre um conjunto de maldades. Trata-se de fazer com que as pessoas trabalhem mais, paguem mais e se aposentem com menos. Há um benefício, claro. Equilibram-se as contas públicas e, assim, afastam-se os problemas que surgem quando o governo gasta mais do que arrecada, como inflação, dívida e falta de investimentos. Ocorre que os benefícios são difusos e de médio prazo. Já a maldade é imediata e direta. No meio do caminho, o trabalhador fica sabendo que sua aposentadoria ficou mais distante. Não admira que todos queiram se livrar dessa questão. No caso brasileiro, a reforma previdenciária foi um extraordinário exemplo de continuidade administrativa. O governo FHC reformou o Regime Geral de Previdência Social (do INSS), pelo qual se aposentam os trabalhadores do setor privado. O governo Lula deu seqüência com as modificações no sistema de aposentadoria dos funcionários públicos. Parecia um serviço completo. Desgraçadamente, porém, números cada vez piores continuam rondando a economia e a política. Até setembro deste ano, o déficit do INSS chegou a R$ 19,7 bilhões, contra R$ 14,6 bilhões no mesmo período do ano passado. A arrecadação aumentou, mas as despesas cresceram em ritmo maior – mantendo-se assim uma tendência que vem pelo menos desde 1988. Como vem insistindo a voz quase isolada do economista Fabio Giambiagi, a despesa do INSS permanece explosiva. Deve chegar neste ano a 7,3% do Produto Interno Bruto, contra 5% em 1995, quando o governo FHC colocou o assunto na pauta, e 6% em 1999, quando se votava a primeira reforma. (veja gráfico) Somando-se o gasto com as aposentadorias dos servidores públicos federais, estaduais e municipais, essa despesa alcança 11,6% do PIB – nível equivalente ao de países ricos e com população mais velha, como Itália, França e Alemanha. Na comparação com outros países emergentes, uma espécie de classe média mundial, o Brasil é o campeão disparado em gasto previdenciário. Em estudo recentemente concluído por Giambiagi e outros três economistas do Ipea (João Luís Mendonça, Kaizô Beltrão e Vagner Ardeo), observa-se que o maior problema está no INSS, hoje o maior item de despesa do governo federal, maior mesmo que o peso dos juros reais, de 4% neste ano. Com os inativos do governo federal, o gasto tem se mantido em torno de 2,4% do PIB. É um regime mais injusto, mas menos caro. São quatro os problemas gerais remanescentes: 1) a ausência de idade mínima no INSS; 2) a aposentadoria precoce das mulheres; 3) a aposentadoria precoce dos professores; 4) a vinculação entre o piso previdenciário e o salário mínimo. As regras para aposentadoria por tempo de contribuição ainda permitem que homens e mulheres se retirem com menos de 60 anos. Essas aposentadorias precoces, também as mais caras para o INSS, são as que mais crescem. De 1994 a 2003, o número de beneficiários aumentou 6% ao ano, contra 4% da média geral. Para comparar: na Espanha, é impossível a aposentadoria antes dos 60 anos, tanto para homens quanto para mulheres, mesmo que tenham começado a contribuir aos 20 anos. A partir dos 60 e antes dos 65, aposenta-se, mas com descontos pesados. No Brasil, uma mulher que tenha começado aos 20 anos, aposenta-se aos 57 anos sem desconto, com 100% da média de seus salários de contribuição. E, embora com desconto, as professoras de primeiro e segundo grau podem se aposentar aos 45 anos (com 25 de contribuição). É o caso mais flagrante de benevolência, já que dar aulas não é propriamente o trabalho mais penoso e desgastante. A saída, diz Giambiagi, é introduzir a idade mínima no regime do INSS, como aliás já existe no sistema dos servidores públicos, de 55 anos para mulheres e 60 para homens. Posteriormente, a proposta é aumentar essa idade para 63 anos (mulheres) e 65 (homens), como ocorre em grande parte dos países. E eliminar as vantagens para professores e professoras de primeiro e segundo graus, hoje de cinco anos a menos. Argumenta-se que idade mínima é injusto para quem começa cedo. Não é. No mundo todo, o sistema exige idade mínima, mas dá aposentadoria maior aos que contribuem por mais tempo. Outra grande fonte de déficit é a vinculação entre salário mínimo e piso previdenciário. Qualquer aumento real para o mínimo derruba as contas do INSS. Essa questão, aliás, foi levantada recentemente pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci. A idéia é garantir para as aposentadorias correções anuais pela inflação passada, de modo a mantê-las constantes, mas sem aumentos reais. Tudo considerado, o país não escapa de outra reforma da previdência. É politicamente difícil, mas quanto mais antecipada, menos custosa. Revista Exame, edição 831, data de capa 24 de novembro de 2004

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