Por sete domingos

São 48 domingos por ano, assim separados na França, por lei nacional: 43 para descanso total e

cinco durante os quais o comércio pode abrir suas lojas, com horário limitado. Para um país que não cresce há anos, em que a taxa de desemprego não cai abaixo dos 10%, parece óbvio que abrir o comércio mais vezes movimenta a economia e pode gerar mais vagas de trabalho, certo?

 

         Parece, mas não para os franceses ou para boa parte deles. Tanto é assim, que o governo do presidente François Hollande precisou recorrer a um tipo de decreto-lei para mudar a regra e determinar que as lojas podem abrir não todos, mas 12 domingos por ano. Apenas sete domingos a mais – e ainda assim foi necessário o recurso a um instrumento excepcional, decreto que se torna lei sem a aprovação da Assembleia Nacional, não utilizado há nove anos e reservado para questões, digamos, graves.

 

         E pode haver questão mais grave do que o trabalho aos domingos? – questionaram parlamentares de diversos partidos, inclusive do Socialista, ao qual pertence o presidente Hollande. Resultado: o governo corre o risco de um voto de desconfiança por causa do tal decreto, publicado na última terça.

 

         Claro que não são apenas sete domingos. O decreto inclui outras medidas como a redução de barreiras para a entrada em algumas carreiras (notários e farmacêuticos, por exemplo) e a liberação dos serviços de … ônibus interurbanos.

 

         Trata-se de uma agenda que cabe na categoria de liberalizante, mas, vamos reparar, é mais do que modesta – embora mais do que necessária para uma economia que sofre com estagnação e perda de competitividade, num ambiente de elevados custos tributários e trabalhistas. Pois acreditem: o debate parlamentar tomou mais de 200 horas, terminando sem a formação de uma maioria.

 

         É verdade que a agenda vai além disso. Mas está longe de representar a destruição dos benefícios sociais e da forte proteção ao trabalho – como denunciam parlamentares da esquerda e da direita. “Abaixo a austeridade alemã” – tal é mote.

 

         E a resposta dos governistas é mais ou menos assim: caramba, pessoal, é preciso trabalhar um pouco mais e atrapalhar menos as empresas que querem investir e gerar emprego.

 

         Faz parte de um futuro pacote a eliminação de uma lei que impõe a formação de comitês de trabalhadores, com poderes para arbitrar e regular, em todas as empresas com mais de 50 empregados.

 

         Um número simples mostra o efeito contrário dessa lei: para cada empresa com 50 empregados, há duas com 49. Está na cara: muitas firmas evitam crescer para escapar de uma regra que tolhe e embaraça a atividade.

 

         Não se pode dizer, portanto,  que os problemas franceses decorram do excesso de austeridade ou de liberalismo. Há anos que a França não cumpre a meta de equilibrar as contas públicas. É um círculo vicioso: o governo aumenta os gastos, cria benefícios que custam caro (como jornada de trabalho de 34 horas e aposentadorias aos 50 anos) e depois aumenta impostos e impõe regras para obrigar as empresas a um comportamento “mais social”.

 

         Verdadeiras reformas liberalizantes foram feitas na Alemanha, isso há mais de dez anos, no governo do social democrata Gerhard Schroder. Angela Merkel, da democracia cristã, que governa desde 2005, se beneficiou do impulso econômico afinal providenciado pelas reformas que, ao contrário,  haviam derrubado Schroder. Não é curioso que Merkel tenha sido eleita com um programa que, na ocasião, poderia ser chamado de antiliberal e anti-austeridade?

 

         Não é curioso que um socialista francês possa cair acusado de liberalismo e austeridade?

 

         Não é curioso que a proposta antiliberal e anti-austeridade reúna as extremas esquerda e direita?

 

         Tudo isso para dizer o seguinte: em toda parte e toda vez que os políticos procuram maneiras de fugir de algumas verdades, o resultado é a confusão do debate e a trapaça com os eleitores.

 

         Os governos gregos, de socialistas a conservadores, vêm tomando empréstimos e recebendo ajuda econômica de seus pares europeus há décadas. Nesse período, gastaram por conta,  alimentaram déficits nas contas públicas e externas, enquanto distribuíam benefícios e vantagens para a clientela eleitoral. E agora vêm dizer que é tudo culpa da austeridade alemã.

 

         Não há política de austeridade que seja leve. Mas também nenhum país precisa de austeridade se não tiver feito uma lambança antes. E se tiver feito, a austeridade sempre vem, por bem ou por mal, mais ou menos dolorido, conforme o tamanho da gastança anterior.

 

         Ou alguém acha que o ministro Joaquim Levy precisaria aumentar impostos e cortar gastos se não tivesse havido a lambança anterior de Guido Mantega. Mas mesmo Levy, com toda sua autoridade e credibilidade, não conseguirá avançar se não tiver apoio e respaldo do resto do governo, a começar pela presidente Dilma, dona da política anterior.

 

         É até mais complicado do que sete domingos

Deixe um comentário