POR QUE OS JUROS SÃO ALTOS

. Todos culpados     
O leitor e a leitora podem achar que é idéia fixa, mas os juros altos, tema quente destes dias, também têm a ver com o gasto excessivo e o endividamento do setor público. Eis como funciona: sendo um grande tomador de dinheiro, o governo precisa pagar juros elevados ? aqueles da taxa básica definida pelo Banco Central, hoje em 14,75% ao ano ou pouco mais de 1% ao mês. É muito menos do que as taxas mais baixas cobradas pelos bancos, como em financiamento de automóveis, em torno de 2% ao mês, ou no crédito consignado, cerca de 3%. Mas reparem a diferença: quando compra títulos do governo, o banco não corre riscos e tem custos desprezíveis. Não precisa fazer análise de crédito do cliente, não assume riscos de inadimplência, nem de disputas desfavoráveis na Justiça. É só apertar umas teclas de computador e comprar os títulos públicos. No passado, os principais líderes do PT, como o próprio Lula, ameaçavam dar o calote nesses títulos, coisa de que esqueceram ao ganhar o governo. Hoje só a senadora Heloisa Helena, candidata animada mas improvável, ainda fala nisso. Em resumo, neste momento, é zero o risco de emprestar para o governo e a operação tem custo quase zero. Assim, é mais fácil para os bancos ? e para o investidor em geral ? ganhar os 14,75% do governo, sem apertar um parafuso sequer, do que arriscar seu dinheiro em operações que podem dar mais, mas com mais trabalho e maior possibilidade de erro. Portanto, está claro, se o tamanho do governo diminuir, este precisará tomar menos dinheiro emprestado, de modo que os bancos e demais investidores terão reduzidos os negócios com esse cliente cativo. E precisarão buscar outros fregueses. De certo modo, isso já está acontecendo. Antevendo a redução do endividamento público, os bancos estão aumentando os negócios normais de uma instituição financeira em qualquer país do mundo, que é emprestar dinheiro para pessoas e empresas, para consumo e de investimento ? um fator de crescimento econômico. Os empréstimos concedidos pelos bancos às pessoas e empresas ? com os chamados recursos livres, que a instituição pode aplicar como quiser ? mais do que dobraram nos últimos quatro anos, saltando da faixa de R$ 200 bilhões, em 2002, para perto dos 500 bilhões, hoje. Os empréstimos para pessoa física aumentaram ainda mais, de R$ 76 bilhões para os R$ 240 bilhões com os quais o sistema deve encerrar o fim do ano. O custo do dinheiro para os bancos diminuiu. A taxa básica de juros, mais ou menos o que os bancos pagam para captar o dinheiro, caiu de um pico de 25% para os atuais 14,75% e que podem chegar a 14% no final do ano. Tudo considerado, os bancos ampliaram a clientela, emprestaram mais dinheiro, gastaram menos para captar sua mercadoria, o dinheiro, mas as taxas cobradas pelas instituições de pessoas e empresas caíram em ritmo muito menor. Ou seja, os bancos lucraram mais, como, aliás, se vê nos balanços recentemente divulgados. Aqui, claramente, os bancos se aproveitam de um mercado concentrado e pouco competitivo para tomar dinheiro da freguesia. Pode-se argumentar: mas qual empresa não aproveitaria a circunstância para aumentar sua margem? A Vale não conseguiu mais do que dobrar seus preços, aproveitando a forte demanda por minério de ferro? Os bancos têm razão quando colocam a culpa dos juros altos no governo. De fato, os impostos cobrados na intermediação financeira são muito elevados. Boa parte dos juros está aí. Também há um grave problema com os compulsórios ? o dinheiro de depósitos que os bancos são obrigados a deixar no Banco Central, sem remuneração. Todos os bancos centrais utilizam esse recurso ? para controlar e reduzir a quantidade de dinheiro em circulação ? mas os compulsórios brasileiros são os maiores do mundo. E recursos parados no BC são recursos que faltam ao mercado privado. Mas o governo também tem razão quando reclama que os bancos resistem e fazem corpo mole na adoção de medidas que ampliariam a competição no setor. A chave do negócio é permitir aos clientes ? pessoas e empresas ? mais facilidade e mais liberdade na trânsito de uma instituição para outra. Qualquer pessoa pode hoje fechar sua conta em um banco e abrir em outro. Mas dá canseira e não é barato. É preciso refazer cadastros, passar de novo pelo período de aprovação e assim por diante. Tome-se o caso da conta salário, que o trabalhador é obrigado a manter no banco escolhido pelo empregador. O empregado pode transferir o dinheiro para o banco de sua preferência, mas, de novo, dá trabalho e tem custos, a começar pela CPMF, culpa do governo. Se essas transferências fossem diretas e de graça, o cliente teria mais poder de barganha. Ajuda nessa direção o cadastro positivo ? sistema pelo qual todos os bancos podem acessar o cadastro dos bons pagadores e, supostamente, competir por eles. O governo enviou ao Congresso um projeto de lei fixando regras para esse cadastro positivo, mas a coisa morreu por lá, como tantas outras que morrem nesse parlamento de mensaleiros e sanguessugas. A Medida Provisória antecipada pelo ministro Guido Mantega deve trazer uma série de providências que abrem o mercado, ampliam a margem de manobra e de escolha dos clientes. É boa coisa, sem dúvida. E os bancos não a apreciam. Mas tem problemas. Por exemplo, o empregado poderá mover sua conta salário, mas pagando CPMF e taxas ? e aí não interessa. O que devolve a bola (a culpa) para o governo, que também não quer mexer nos compulsórios. Em resumo, se os juros altos no Brasil fossem um problema simples, já teria sido resolvido. Não o foi porque é complexo. A solução exige um conjunto de medidas que só funcionarão a médio e longo prazo. Não adianta ficar procurando o culpado principal. Todos são, inclusive o cliente, em geral muito passivo diante das taxas cobradas por bancos e lojas. Na verdade, o consumidor brasileiro nem costuma calcular quanto de juro está embutido no preço. Limita-se a verificar o tamanho da prestação mensal. Cabendo no seu orçamento, manda bala, não importa o quando está pagando de juros, sempre muito dinheiro. Aliás, aqui há outra situação reveladora. Uma lei ? nem sei se ainda está em vigor ? exigia que as lojas exibissem o preço com juros e o preço à vista, para o comprador notar a diferença. Ora, o que faz o comércio hoje? Seis vezes sem juros, igual, portanto, ao preço à vista ? o que é mentira. É claro que tem juros. Mas você não consegue comprar à vista. Mesmo preço, repetem os funcionários, explicando que o ?sistema? não aceita desconto. Como se vê, há muito o que fazer. O que o governo não deve fazer é tentar tabelar os juros ou obrigar os bancos estatais a cobrarem juros bem baixinhos para forçar a concorrência. Isso já foi feito ? e dá em escassez de crédito e prejuízo para os estatais, isto é, para o contribuinte.    Publicado em O Estado de S. Paulo, 21 de agosto de 2006       

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