. Pequenos desvios
Excesso de ideologia, foco equivocado, interesses eleitorais, tudo isso leva a perda de tempo e dinheiro. Aqui e ali, pequenos desvios se somam para causar um grande atraso. Eis alguns exemplos apanhados no noticiário da semana:
O astronauta brasileiro vai ao espaço levar umas fitinhas do Senhor do Bonfim e uma camisa da Seleção. Se der tempo, tentará umas experiências de interesse duvidoso. Mas com certeza vai conversar on line com o presidente Lula.
Não se sabe ao certo o preço da viagem, paga pelo governo federal. Fala-se em algo como US$ 10 milhões que, para os padrões do turismo espacial, seria até barato.
Mas seria muito dinheiro para qualquer projeto de pesquisa científica brasileira. Como lembrou o jornalista Marcelo Leite, esse custo é equivalente a programas sérios como o Genoma Xylella, que fez a seqüência genética da bactéria que causa a praga do amarelinho.
Se o objetivo fosse entrar na corrida espacial, o dinheiro poderia ser utilizado na pesquisa de satélites, por exemplo. A viagem espacial não integra qualquer programa de longo prazo. É pura propaganda, a dez milhões de dólares, dos nossos.
Neoliberal A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) voltou a se reunir. Estava parada havia oito anos, desde que liberou o plantio comercial da soja transgênica. Foi um período de pouco bom senso, pouca ciência e muita disputa ideológica e judicial. A transgenia apareceu como mais um dos demônios do neoliberalismo. Enquanto isso, só a Embrapa, estatal de excelência na área, aguarda autorização para diversas pesquisas, inclusive de variedades transgênicas resistentes à seca. Contando outras instituições, cerca de 90 pedidos de pesquisa estão na prateleira. Saem agora? Duvidoso. Para acomodar os diversos interesses e pressões, da comunidade científica ao Greenpeace, a nova CTNBio tem muita gente. São 27 titulares, misturando cientistas, membros do governo e representantes da sociedade. Difícil decidir assim. Outras escolas
A tese é universal: o papel prioritário do governo é colocar na escola, em boas escolas, todas as crianças e jovens até 18 anos. É um passaporte para o futuro. Quanto mais educação, mais produtividade e menos pobreza.
Sabe-se que o Brasil está longe desse objetivo.
Sabe-se também que o governo federal já gasta muito dinheiro, proporcionalmente, com as suas universidades. Igualmente se sabe que ou o dinheiro é insuficiente, ou as universidades gastam mal, o mais provável. De todo modo, é precária a situação das federais, os salários dos professores são inadequados.
Também é sabido que o governo federal está com as contas apertadas. Faz sentido para quem abrir mais nove universidades federais?
?Go home?
É meta explícita do governo Lula ampliar a receita de turismo. Os americanos viajam muito e gastam bom dinheiro. Logo, deve ser uma prioridade estimular a vinda desses gringos. Certo? Errado.
Não há vôo direto dos Estados Unidos para o Nordeste ou para Manaus. Dos cinco milhões de americanos que passaram pela América Latina no ano passado, apenas 700 mil entraram no Brasil, em geral para negócios.
A explicação: americanos precisam de visto para entrar aqui, o visto custa 100 dólares e só há duas representações brasileiras nos EUA que o concedem, pelo correio.
Mais fácil, portanto, ir a algum dos 130 países que aceitam americanos sem visto de entrada. Não se pode dizer que os cidadãos dos EUA sejam os mais bem quistos do mundo. Entretanto, parece que a maioria dos países alardeia ?ianques go home?, mas separa essa atitude política e abre as portas para os turistas.
Pesquisa divulgada na revista Economist mostra que os americanos estão entre os três com mais liberdade de trânsito pelo mundo, junto com dinamarqueses e finlandeses. O governo Lula engrossou com os americanos depois que os EUA, em seguida à destruição das torres de Nova York, passaram a fotografar e tomar a impressão digital dos visitantes. O Itamaraty resolveu pagar na mesma moeda.
Reciprocidade, dizem, mas foi só para torrar a paciência dos americanos. Mesmo porque, se o Brasil fosse alvo de terroristas, eles não viriam dos EUA.
Desde então, o pessoal da área de turismo tenta convencer os colegas de governo que essa reciprocidade é um tiro no pé. Mas como se fez um estardalhaço xenófobo na ocasião, fica difícil voltar atrás. Publicado em O Globo, 16 de fevereiro de 2006