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Os fura-teto

Os fura-teto

Carlos Alberto Sardenberg

Estão tentando fazer com o teto de gastos do governo federal a mesma coisa que fizeram com o teto salarial do funcionalismo público. Pela lei, nenhum funcionário poderia ganhar mais que R$ 39,2 mil brutos, o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal, aliás reajustado recentemente, em 2019. Mas muitos servidores ganham mais, muito mais.

Gambiarras diversas, inscritas na lei, em regulamentos ou interpretações do judiciário, fizeram com que várias “verbas” fossem classificadas como extratexto. Há anos que se faz assim.

Antes, o salário-teto era o do presidente da República, hoje de R$ 30,9 mil. Isso valia também para os ministros do STF, mas estes deram um jeito de ultrapassar o do presidente e, assim, o teto subiu. E todas as demais carreiras foram em busca do novo patamar.

Mas o golpe mais eficiente, para eles, claro, e não para o contribuinte que paga os impostos, é a invenção do extratexto. Isso permite acumular salário com o que chamam de “vantagens pessoais”, como determinados auxílios (educação, saúde, etc.) e aposentadorias.

Pelo espírito da regra – ou seja, se a gente entender o óbvio, que teto é teto – tudo o que passasse dos R$ 39,2 mil simplesmente deveria ser abatido. Mas não é.

O próprio Bolsonaro tem direito ao salário de presidente, mais duas aposentadorias, uma da Câmara dos Deputados, outra do Exército, como capitão reformado.

É quase um padrão por todo o serviço público, a acumulação de um salário da ativa com alguma ou algumas pensões. Isso, em si, já está errado. Ou o sujeito está trabalhando ou parado. Se a pessoa volta ao serviço ativo, deveria perder a aposentadoria, como acontece em muitos países.

De tempos em tempos, o Congresso aprova alguma lei dizendo que teto é teto, sem penduricalhos ou puxadinhos, como classificou uma vez a ministra Cármen Lúcia, do STF. É só aprovar a lei que começam as ações judiciais para recuperar o extratexto.

Agora mesmo, está na gaveta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um projeto de lei dizendo de novo que o teto é R$ 39,2 mil – e acabou. Está lá. Mas aparentemente Maia ainda não encontrou um momento, digamos, oportuno, para colocá-lo em votação. Talvez tenha medo da repercussão negativa que haveria caso o projeto fosse esmagadoramente derrotado.

E, assim, não apenas o pessoal consegue avacalhar o teto salarial, como tenta agora avacalhar a lei de 2016, pela qual a despesa do governo federal de um ano deve ser igual à do ano anterior mais a inflação.

Dizem que isso vai contrair gastos com saúde e educação, mas na verdade a preocupação é com a possibilidade de não se permitir aumentos salariais para o funcionalismo.

O economista Alexandre Schwartsman publicou artigo no site Infomoney e no seu próprio blog (“O teto e a raça: o que dizem os números) mostrando que os gastos sociais, generalizando, aumentaram, sim, depois da lei do teto. Por exemplo: despesas com a função Saúde saltaram de R$ 143,3 bilhões em 2016 para R$ 153,3 bilhões em 2019, em valores constantes. Mais interessante ainda: a função “Proteção Social” (previdência e assistência social) foi de R$ 871,4 bilhões para R$ 938,2 bilhões, no mesmo período.

Schwartsman mostra ainda que o gasto com “remuneração de empregados” saltou de R$ 280,5 bilhões em 2016 para R$ 305,8 bilhões no ano passado, também em valores constantes.

Finalmente, os dados da PNAD (IBGE) mostram que o rendimento médio do trabalhador brasileiro no setor privado é de R$ 2 mil/mês; dos estatutários, R$ 4,3 mil.

Esse dado permite duas observações. Uma, óbvia, que o servidor ganha mais de duas vezes do que as demais categorias. Segunda, e talvez mais importante, registra a imensa desigualdade dentro do funcionalismo. Se o teto é teto R$ 39,2 mil mais os extras e a média é de R$ 4,3 mil, é sinal de que muitos funcionários ganham mal. E são em geral os trabalhadores mais próximos do público e mais longe de Brasília.

Mas toda vez que surge o debate, sindicatos do funcionalismo argumentam com os salários mais baixos. Seria importante que esses funcionários mal remunerados percebessem que poderiam ganhar mais se os de cima ganhassem menos.