OS DEBATES QUE FALTAM NAS ELEIÇÕES

. Maldades eleitorais     
Costuma-se dizer que eleições oferecem oportunidade de debate dos grandes temas. Deveria ser assim, já que esse é o momento sagrado da democracia. Um erro aí ? e sabemos como os eleitores podem errar ? e são pelo menos quatro anos de purgação.     
Mas considere-se o tema da previdência do regime do INSS. Uma nova reforma é inescapável, dado o tamanho, crescente, do déficit. Ora, o que é reforma da previdência, aqui ou em qualquer outro lugar do mundo? De imediato, é pura maldade. É fazer com que as pessoas trabalhem mais, paguem mais e se aposentem mais tarde, com pensões limitadas. Ora, diria qualquer marqueteiro, isso é coisa que se diga ao eleitor quando se está pedindo o voto dele?     
Considere-se ainda o tema do gasto público. Todo eleitor tem algo a pedir do governo, algo que representa despesa. Por exemplo, segurança ? aliás, uma das principais demandas de hoje – o que significa mais policiais, melhores salários, equipamentos novos e assim por diante. Ou mais escolas. Mais hospitais. Estradas boas.     
Cada setor econômico também tem suas próprias demandas. A agricultura precisa de mais investimentos em defesa sanitária ? o que é muito justo e importante para o conjunto do país. Um surto de febre aftosa derruba as exportações de carne, reduz os negócios, prejudica um monte de gente. Já imaginaram o desastre que seria uma gripe aviária aqui, neste país campeão de produção e exportação de frangos?     
Ao mesmo tempo, todos os eleitores, sem exceção, têm uma justa reclamação contra a enorme quantidade de impostos que pagam, direta ou indiretamente. Isso é um tema que anima os marqueteiros e muitos candidatos, especialmente aqueles com pouca chance de ganhar. Propor a redução de impostos ? isso dá palanque.     
Mas não fecha com a reivindicação, também generalizada, de aumento nas bondades do governo, que representam mais gastos e, portanto, requerem mais impostos ou cortes de gastos em outras áreas, afetando clientelas diferentes.     
Na verdade, essas contradições deveriam ser explicitadas no debate eleitoral, de modo a se colocar a questão nos termos exatos: topamos pagar mais impostos para ter melhores escolas? Ou, para pagar menos impostos, quais despesas devem ser eliminadas?     
Ocorre, porém, que candidatos inviáveis ? os que não têm chances ? prometem entregar tudo e não cobrar nada. Mesmo candidatos viáveis, mas que estão atrás nas pesquisas, se arriscam a promessas impossíveis ? bondades supremas ? só para colocar os primeiros colocados na desconfortável posição de negá-las.     
É o caso, por exemplo, das tentativas de PFL e PSDB de aprovar um inviável reajuste de 16% para os aposentados que ganham mais de um salário mínimo. É só para obrigar o presidente Lula a ficar contra essa medida.     
Mas suponha que Geraldo Alckmin, da coligação liberal/tucana, venha a se eleger presidente. Os aposentados terão todo o direito de esperar pelo reajuste. Mas que não será concedido, tudo isso contribuindo para a desmoralização da política, das campanhas e dos políticos.     
Por isso, muitos candidatos viáveis simplesmente tratam de fugir de certos temas ? evitar compromissos. Isso poderia ser resolvido com os debates entre candidatos, mas as regras muito fechadas, impostas pela Justiça Eleitoral, limitam o alcance desse instrumento.     
Restam assim as entrevistas individuais a jornalistas. Neste caso, é possível confrontar o candidato com os temas mais importantes e colocar compromissos para serem assumidos ou driblados ? com consequências em qualquer caso.  Considerando que a tevê é a mídia mais abrangente do país, está aí bem posta a responsabilidade dos jornalistas desse meio. Vamos ver como anda a coisa.     
De todo modo, no quesito política econômica, há uma questão chave: a redução dos gastos públicos. Doze anos trás, o país tinha um enorme e não medido déficit público, uma hiperinflação e uma dívida externa muito grande. Boa parte desses problemas macro está superada.     
As contas públicas foram controladas, a responsabilidade fiscal está instituída em lei, a dívida geral do setor público, depois de uma escalada, está finalmente em queda quando medida em proporção ao Produto Interno Bruto. A dívida externa pública está em processo de extinção. A inflação deste ano está rodando abaixo da meta de 4,5%, consolidando-se o regime de metas com um Banco Central independente na prática. (A propósito, eis outro tema muito importante, a lei de autonomia do BC, mas que os marqueteiros consideram um assunto sem apelo e perigoso).     
A questão nacional é: por que, com todo esse avanço macroeconômico, o país não cresce mais? Em um lado do debate, estão os que vêm o problema justamente nos avanços. Para esses, o Brasil não cresce porque o governo é muito rigoroso no combate à inflação e no controle dos gastos públicos. Portanto, e isso precisaria ficar claro no debate, acham que tudo se resolveria com um pouco mais de inflação e mais gasto público.     
Uma estupidez. Simplesmente, não há país que tenha crescido assim. Basta olhar em torno para se encontrar países ainda mais duros no controle da inflação e das contas públicas ? e crescendo mais que o Brasil.     
O que remete ao problema que muitos políticos não querem enfrentar: o setor público é demasiado grande para o tamanho do país, gasta muito e mal e, por isso, precisa tomar muitos empréstimos e arrecadar enorme quantidade de impostos. Ou seja, é preciso reduzir o gasto e o tamanho do Estado, isso incluindo reforma da previdência.     
Eis o que falta: lideranças políticas que acreditem nisso e sejam capazes de transmitir ao eleitorado a idéia de que algumas medidas, hoje vistas como maldades, são necessárias para gerar crescimento, bondades, mais à frente. Publicado em O Estado de S.Paulo, 07 de agosto de 2006

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