O VAI E VEM DO RISCO BRASIL

. Risco e ambiente Risco país é o prêmio que os investidores locais e internacionais pedem para comprar títulos da dívida do governo daquele país. A medida toma como padrão os títulos do Tesouro americano, considerados de risco zero. Faz sentido. Quando o capitalismo acabar, o último lugar em que isso vai acontecer será nos Estados Unidos. Como esse fim não parece à vista, não há possibilidade de o sujeito micar com um papel americano. Quando dizemos que o risco Brasil é de 700 pontos base, isso significa que o título brasileiro remunera o comprador com uma taxa de juros que é de sete pontos percentuais acima do papel de prazo equivalente emitido pelo Tesouro dos EUA. Assim, se o risco Brasil é de 700 pontos e o do México é de 200, significa que os investidores consideram muito mais arriscado aplicar nos papéis brasileiros. Os títulos estão no mercado e foram emitidos pelos respectivos governos com taxa de juros (o cupom) definida. Assim, o risco varia pelo preço do papel no mercado financeiro. Parece complicado mas não é. Considere um título no valor de US$ 1 milhão, emitido pelo governo de um país emergente para vencimento em 2014, com taxa de juros de 10,5% ao ano (risco de 600 pontos sobre o papel americano equivalente, à cotação da última sexta-feira). Considere que, passados dois anos da emissão, esse país entra num período de forte crescimento equlibrado. Seus títulos passam a atrair mais investidores, valorizam-se e aquela promissória de 1 milhão começa a ser negociada por, digamos, 1,1 milhão, ou seja, 10% acima do valor de face. Obviamente, a taxa de juros implícita caiu. O investidor está pagando mais para receber os mesmos juros fixados em relação ao valor de face. Inversamente, quando o país entra em crise, seus papéis se desvalorizam e a taxa de juros implícita (o risco país) aumenta. No auge da crise de confiança de 2002, em setembro daquele ano, quando o dólar bateu nos R$ 4,00, o principal título da dívida externa brasileira, chamado C-Bond, era negociado a 49% do valor de face. O risco Brasil implícito passava dos 2.400 pontos. Ou seja, os investidores entendiam que Lula ia ganhar a eleição e dar o cano na dívida pública. Em janeiro deste ano, o C-Bond chegou a ser negociado acima do valor de face. Durante várias semanas, o risco Brasil andou na casa dos 400 pontos. O que explicou essa extraordinária valorização? Três fatores. Primeiro, o ambiente internacional foi extremamente favorável. Com juros muito baixos nos EUA e baixos na Europa, os investidores procuraram papéis dos países emergentes em busca da maior rentabilidade. Sobrou dinheiro no mercado, a situação melhorou para todos os emergentes. Mas melhorou mais para o Brasil, por causa das mudanças internas, no ambiente político e na economia real. No campo da expectativa política, o segundo fator, a virada foi espetacular. Do homem que ia repetir Chavez e dar um calote, o presidente Lula transformou-se no preferido do FMI e das finanças internacionais (o cara que veio da esquerda e tratava de combinar programas sociais, populares, com política econômica ortodoxa, voltada para o ajuste das contas públicas e a redução do endividamento). O terceiro fator da virada veio da efetiva melhora das condições macroeconômicas, dos chamados fundamentos. O ponto de partida da avaliação de risco está nesses fundamentos, em especial a situação das dívidas interna e externa (se são elevadas, de curto ou longo prazo, em moeda local ou dólar). E na entrada deste ano, as contas externas brasileiras, assim como as contas públicas, estavam em condições bem melhores. E o país retomava o crescimento. Assim, as coisas melhoraram para todo mundo no segundo semestre do ano passado, porém mais para o Brasil. Isso porque haviam piorado mais no difícil ano de 2002 e porque o governo Lula desempenhou bem. Para comparar: em janeiro último, enquanto o risco Brasil andava na casa dos 400 pontos, o risco médio dos países emergentes (excluída a Argentina, que estraga todas as estatísticas) estava nos 300. Quer dizer, risco Brasil cerca de 30% acima daquela média. Pois na semana passada, o risco dos emergentes subira para os 400 pontos, enquanto o do Brasil rodava na casa dos 700 – ou, 75% acima. Ou seja, piorou para todo mundo, porém mais para o Brasil. O risco dos emergentes subiu pouco mais de 30%, o do Brasil quase dobrou. Piorou para todos os emergentes por causa da expectativa de alta de juros nos EUA (com a consequente redução de dólares para o resto do mundo), pela expectativa de que a China vai crescer menos (e comprar menos do mundo todo, inclusive do Brasil) e pela alta do petróleo, de sua vez causada pelo aumento do consumo e, de novo, pela expectativa de atentados terroristas na Arábia Saudita, dona da maior exportação e das maiores reservas. E por que teria piorado mais para o Brasil? Não se encontra a resposta quando se olha para os fundamentos. O governo faz superávits primários elevados (a ponto de pagar toda a conta de juros por dois meses seguidos), foi responsável na fixação do salário mínimo de R$ 260,00, mesmo à custa de um enorme desgaste preço político, cedeu só um pouquinho na tabela do IR na fonte, e as contas externas continuam em processo de óbvia melhora. O que estragou foi o ambiente. Iniciou-se o ano debaixo de enorme animação, com o presidente Lula declarando o início do “espetáculo do crescimento”. Isso foi pouco a pouco substituído por um baixo astral, que começou na política com o caso Valdomiro, e, na economia, quando o Banco Central, assustado com uma alta da inflação e a piora externa, não reduziu os juros em janeiro. E tudo desandou em fevereiro, quando o IBGE informou que o país havia empobrecido em 2003. Os números também mostravam que havia uma recuperação em curso desde o segundo semestre do ano passado, mas a palavra recessão desfechou mais uma onda de críticas à política econômica, de fora e de dentro do governo, o fogo amigo. Acrescente aí uma série de incompetências administrativas do governo e o mau humor estava instalado. Reapareceram as críticas segundo as quais o modelo nunca vai gerar crescimento. Reapareceu o fantasma do Plano B, aquela expectativa de que um dia Lula se enche da ortodoxia e resolve fazer as coisas à moda do velho PT. Em vez disso, o governo Lula manteve-se fiel à política econômica e foi ainda mais ortodoxo. Pressionado pela desconfiança, teve de mostrar excesso de firmeza. Talvez, num ambiente de mais confiança, até pudesse ser mais mão aberta no mínimo – o que leva à curiosa conclusão de que a pressão da esquerda do PT por um salário maior e por mudança na política econômica acaba levando ao resultado oposto. De todo modo, daqui para a frente, o ambiente local pode melhorar. Os números do IBGE, mostrando crescimento no primeiro trimestre, recuperaram boa parte os ânimos e deram fôlego ao ministro Palocci. Sua política está mais do que reafirmada. Indicadores mais recentes sugerem que a recuperação segue neste trimestre. No Congresso, há chance de votação de projetos importantes da chamada agenda microeconômica. E a Fazenda já prepara novos passos. Se o governo como um todo ganhasse um pouco mais de eficiência, ajudava muito. A ver como se comporta o risco Brasil. Mas nada piorando mais lá fora, esse risco deve diminuir. E assim vamos. Dura vida do governo Lula: tem que demonstrar sua fé ortodoxa a todo instante e mais ainda quando o fogo amigo aumenta. Publicado em O Estado de S.Paulo, 07 de junho de 2004

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